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sábado, 16 de janeiro de 2010

A FENOMENOLOGIA DE KANT




INTRODUÇÃO
 
O objeto estudo desta pesquisa é a "metafísica e a fenomenologia" segundo a concepção de Kant. "O filósofo Emmanuel Kant é mais conhecido por suas obras Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática e Crítica do Juízo (1788-1791). Mas, entre a primeira crítica e a segunda, em 1785, escreveu Fundamentos da Metafísica dos Costumes, em que coloca as bases de uma consonância com sua metodologia crítica, abrindo caminho para um estudo do Direito e da Moral segundo novas base de apreciação e análise rigorosa" ( Edson Bini, Doutrina do Direito – Emmanuel Kant. Ed. Ícone. 1993, pág. 5, trad.). A essência de Kant é encontrar ou julga-se encontrar na vontade pura os princípios imperativos da vida ética. Toda a parte da Crítica da razão pura leva em Kant um nome esquisito: chama-se "estética transcendental". Dizemos esquisito não porque o seja em si mesmo, mas porque a palavra "estética" tem hoje um sentido muito popular, que é aquele habitualmente quando se evoca ao ouvi-lo simplesmente por significar a "teoria do belo", "teoria da beleza", ou, ao acaso, "teoria da arte e da beleza". Advirta-se porém, que a palavra "estética", no sentido de teoria do belo, é moderna. Kant toma-a em outro sentido muito diferente: toma-a no sentido etimológico. A palavra "estética" deriva da origem grega aisthesis, que se pronuncia "estesis" e que é sensação; também significa percepção. Logo, estética significa teoria da percepção, teoria da faculdade de ter percepções, teoria da faculdade de ter percepções sensíveis e ainda teoria da sensibilidade como faculdade de ter percepções sensíveis. A palavra "transcendental" usa-a Kant no mesmo sentido já tantas vezes dito de condição para que algo seja objeto de conhecimento. Para tanto, estaremos estudando a metafísica de acordo com a visão do referido autor, bem como as principais questões da metafísica.
Em relação à fenomenologia, Kant pretendeu conciliar realismo do senso comum, segundo o qual nossas representações correspondem às coisas, e o fenomenismo, que reduz toda a realidade a estas representações. Para Kant, só há fenômenos: com efeito, jamais conseguimos atingir as próprias coisas, que o mesmo denomina de númenos. Mas tais coisas são indispensáveis para explicar os fenômenos: em si, há númenos.
O mundo existe, apenas não podemos conhecê-lo tal como é. A reação kantiana apenas retardou a evolução do pensamento filosófico. Os herdeiros de seu pensamento rejeitam os númenos, bastante ilogicamente conservados por Kant. A fim de retomar a questão acima, do ponto de partida cartesiano, suscitou-se o movimento fenomenológico. Em geral, entende-se por "fenomenologia" o estudo descritivo dos fenômenos, tais como se apresentam à experiência imediata. As análises que Vladimir Jankelevitch fez de "A Ironia", de "A Má Consciência, de "Mentira", do fastio (em "A Alternativa"), pertencerem a fenomenologia assim compreendida. Tais pesquisas distinguem-se da observação psicológica comum apenas por uma maior preocupação com o realmente vivido e pela desconfiança para com os preconceitos do senso comum, veiculados pela linguagem. A fenomenologia aqui em pauta, é um método filosófico que emprega descrições fenomenológicas no sentido vulgar do termo, mas não as considera senão um meio de atingir um além do fenômeno. Seu fundador foi o filósofo alemão Edmundo Husserl (1859-1938). Eis porque Husserl resolve por de lado as questões atinentes à existência de realidades substanciais, matéria ou espírito; não porque se inclina ao ceticismo, ao contrário, pretende chegar à verdade. Mas Husserl põe "entre parênteses" estas controvertidas questões, e, atendo-se à intuição imediata, que não é passível de dúvida, ocupa-se apenas do fenômeno. Tal atitude lembra a de Descartes rejeitando sistematicamente toda afirmativa contra a qual se pudesse levantar qualquer motivo de dúvida. Husserl, porém, é ainda menos céptico do que o autor do Discurso do Método, que o era bem pouco, pois, enquanto Descartes considera falsas as assertivas que não lhe parecem evidentes, Husserl contenta-se em coloca-las entre parênteses: "O mundo percebido nesta vida reflexiva, em certo sentido, sempre está aí, para mim; ele é percebido como dantes, com o conteúdo que, em cada caso, lhe é próprio. Ele continua apresentando-se a mim como se apresentava até então; mas na atitude reflexiva que me é própria na qualidade de filósofo, não efetuo mais o ato da crença existencial da experiência natural, não admito mais tal crença como válida, embora ao mesmo tempo, esta permaneça sempre aí, inclusive captada pelo olhar da atenção" (E. Husserl, Meditações Cartesianas, pág. 17, Colin, 1931). A seguir discorreremos, separadamente, a metafísica e a fenomenologia kantiana e seus efeitos.

METAFÍSICA E A ORIGEM DOS CONHECIMENTOS

A primeira indagação que se oferece ao espirito pensador, e que é a base de todas as indagações, é a origem de seus conhecimentos.
A origem de conhecimentos pode ser considerada debaixo de diferentes pontos de vista.
  • Se consideram como base primitiva os fundamentos de conhecimentos, a alma é a primeira origem, isto é, a reunião de suas faculdades.
  • Se considera a maneira com que a alma dá princípios a seus conhecimentos, então o diferente desenvolvimento de suas faculdades ou diferentes leis manifestadas por esse desenvolvimento é também origem dos conhecimentos.
  • Se considera o que dá motivos a desenvolver-se esta atividade na manifestação de suas leis, então os sentimentos e reflexão são os que ocasionam um tal desenvolvimento e têm o nome de origem de conhecimentos.
  • Se considera como um conhecimento primitivo, do qual partem ou de onde se derivam os mais conhecimentos, então as verdades primitivas e os primeiros princípios obtêm o nome de origem de conhecimentos.
Estas verdades primitivas, estes primeiros princípios parecem que não nos são apresentados pelos sentidos e pela reflexão; os objetos nos parecem dados por eles, nossa alma não fazendo mais que reconhecê-los. Apliquemos os meios que nos podem assegurar da verdade na evidência física e logo conheceremos a parte que têm os sentidos em nossos conhecimentos. O estudo profundo de nós mesmos nos dará a evidência matemática pela qual ficaremos certos, se em nosso pensamento há alguma coisa que tenha diferente princípio de nossas leis ou se são somente manifestações e combinações dessas mesmas leis, e nos ensinará o verdadeiro emprego dos sentidos e da reflexão.
O conhecimento que temos dos sentidos nos oferece as seguintes verdades:
  • Que somente certos corpos tem uma força simpática, própria para mover este ou aquele sentido.
  • Que os nervos com a propriedade de irritabilidade são a parte essencial dos sentidos.
  • Que os mesmos corpos simpáticos não caminham nos sentidos senão até onde se acham os nervos e que nada mais fazem que chocá-los e comunicar-lhes sua impressão.
Conhece-se portanto, a verdade dos dois últimos resultados e que, nascendo o homem no grande teatro da natureza, dependendo dela, necessitava de órgãos que lhe servissem de instrumento para formar a liga com aquelas partes da natureza de que dependia, e que lhe fossem guias seguros para, por eles, procurar o que lhe conviesse e fugir do que lhe fosse nocivo. Eis aqui a serventia dos sentidos: por eles não conhecemos a natureza em si, a natureza externa; mas, por nossos sentimentos ocasionados por eles, sentimos a impressão que os objetos externos fazem sobre nós, que é quanto basta para podermos providenciar nossa conservação e bem ser. Pode-se observar que os sentidos e a reflexão não nos dão, não nos apresentam os objetos, mas somente são ocasião de que a alma desenvolva, ponha em exercício suas faculdades. São, portanto, as sensações o primeiro material dos conhecimentos humanos, consideradas em relação aos objetos que as ocasionam, e transportadas aos mesmos por uma hábito contraído desde os primeiros momentos de nossa existência por um instinto feito da necessidade de marcar os objetos que nos devem ser conhecidos pela influência que exercitam sobre nós. São, portanto, nossas concepções o segundo material dos conhecimentos humanos, consideradas em relação às sensações que as ocasionam e transportadas às mesmas como fundamento e base sobre que repousam. E assim, como eu não saberia que tenho as faculdades de perceber e querer, etc., se não percebesse efetivamente, assim eu não teria sensações, se não houvesse objetos que as desenvolvessem; nem concepções, se não houvesse sensações que as ocasionassem, e, assim como eu não digo que minha inteligência e vontade são qualidades subjetivas, casadas com o objeto e nele percebidas. Os objetos influem sobre os sentidos, estes sobre a sensibilidade; aparecem as sensações. As sensações influem sobre a reflexão, esta sobre a cognição; aparecem as concepções. Sensações e concepções são leis, manifestações de nossa alma. "Há uma espécie de pretensão imprópria, de amor excessivo, que até mesmo pode parecer injurioso àqueles que ainda não abandonaram seus antigos sistemas, isto é; "Que antes do aparecimento da filosofia crítica, não havia filosofia". Para poder decidir sobre essa pretensão, é preciso resolver previamente a seguinte questão: é possível, a rigor, haver mais que uma filosofia? Não somente tem havido maneiras diferentes de filosofar, de se elevar aos primeiros princípios da razão, de edificar um sistema sobre estes princípios com maior ou menor felicidade, como também até era necessário que ocorresse um grande número de tentativas dessa espécie, pois cada uma delas teve sua utilidade própria. Contudo, como a razão humana, considerada em si, é essencialmente una, não pode acontecer que haja mais que uma filosofia, isto é, que haja mais que um sistema racional possível segundo princípios, quaisquer que sejam a diversidade e a freqüente oposição que tenham podido existir sobre um único e mesmo ponto" (Edson Bini, Doutrina do Direito – Emmanuel Kant. Ed. Ícone. 1993, pág. 15, trad.).
Havíamos proposto o problema fundamental de toda a metafísica: o problema de que é o que existe? E seguimos as respostas que a esse problema se deram nas duas direções fundamentais que conhece o pensamento na história filosófica: a direção realista e a direção idealista. As tentativas que na antigüidade grega se fizeram para responder a essa pergunta e que conduziram todas elas à forma mais perfeita de realismo, a qual se encontra na filosofia de Aristóteles. Mas essa mesma pergunta obtém resposta completamente diferente na filosofia moderna que se inicia com Descartes, e que a propensão idealista, que consiste em responder à pergunta acerca da existência com uma resposta totalmente diferente daquela que dá Aristóteles, desenvolve-se na filosofia moderna e chega à sua máxima realização, à sua máxima explicitação, na filosofia de Kant. Para o idealismo o que existe não são as coisas, mas o pensamento é que existe. Para Kant não é assim: antes o objeto pensado é objeto quando e porque é pensado; o ser pensado é aquilo que o constitui como objeto. Isto é o que significa todo o sistema kantiano das formas de espaço, tempo e categorias. Mas ao mesmo tempo que Kant remata e aperfeiçoa o pensamento idealista, introduz neste pensamento algumas reproduções que desenvolvem e dilatam-se na filosofia que sucede a Kant. Primeiro essa "coisa em si" que Kant elimina na relação do conhecimento, o seu significado é o de satisfazer o afã de unidade que a razão humana sente ou o ideal regulador do conhecimento, que imprime ao conhecimento um movimento sempre para diante. E essa primazia da razão prática ou da consciência moral é a segunda das características do sistema kantiano que o diferencia de seus predecessores. Kant deu ao problema da metafísica a transformação seguinte: a metafísica procurava aquilo que é e existe "em si", ou seja, uma idéia reguladora para o conhecimento discursivo do homem, o que representa o contrário dos objetos do conhecimento concreto.

A METAFÍSICA E A RELAÇÃO DAS FACULDADES DA ALMA COM A LEIS MORAIS

 
"O desejo é a faculdade de ser causa dos objetos de nossas representações por meio das próprias representações. A faculdade que possui um ser de operar segundo suas representações". Para Kant o desejo vem acompanhado sempre de prazer ou desprazer, que no homem chama-se sentimento" (Edson Bini, Doutrina do Direito – Emmanuel Kant. Ed. Ícone. 1993, pág. 19). Mas o contrário não é recíproco, sendo este não uma causa mas também pode ter seu efeito, continua o autor "Porém denomina-se sentimento a capacidade de experimentar prazer ou desprazer com a idéia de uma coisa, pela razão de que esses dois estados contêm apenas o subjetivo puro em sua relação com nossa representação e de nenhum modo uma relação a um objeto que se trate de conhecer (...) Essas leis da liberdade são chamadas de morais, de forma a serem distinguidas das leis naturais ou físicas. Quando se referem somente a ações externa e a sua legitimidade, são chamadas de jurídicas. Porém, se além disso exigem que as próprias leis sejam os princípios determinantes da ação, então são chamadas de éticas na acepção mais própria da palavra. E então diz-se que a simples conformidade da ação externa com a leis jurídicas constitui sua legalidade; sua conformidade com as leis morais é a sua moralidade".
A sensibilidade física é a faculdade de sentir a dor ou o prazer em conseqüência dos objetos que lhes tem relação. Nesta ocasião se manifesta o desejo da felicidade e todas as mais propensões que tem por objeto o bem ser. A sensibilidade ou o senso moral é a faculdade de sentir o justo pela aprovação ou censura da ação. Nesta ocasião se desenvolve ou aparece o amor da justiça e as mais propensões que tem por objeto o dever.
A razão, pois, observando a marcha das propensões que o desejo da felicidade estimula o homem a providenciar sua conservação e bem ser, e que a sensibilidade física é seu guia natural nessa indagação.
O senso moral é o seu primeiro e mais seguro guia, daqui vem chamar-se consciência este tribunal supremo de quem não há mais recurso; que aprova e condena sem raciocinar que manda crer sem hesitar e que é infalível em seus ditames, quando as paixões ou prejuízos dão lugar à sua voz.
A observação nos manifesta a natureza moral do homem, ela mesma nos descobrirá a origem das suas obrigações e a existência de uma legislação moral natural. Origem das obrigações: existência de uma legislação moral natural.
A liberdade foi dada ao homem para se constituir senhor de suas ações, e por isso responsável por elas. Se, pelo contrário, o homem abraça o justo, ele se coloca no lugar distinto e elevado, para o qual suas faculdades o chamam, se liga aos demais entes inteligentes e põe-se, de certo modo, a par do Autor da natureza, concorrendo com Ele para os fins da criação.
Mas onde descobrirá a razão estes motivos de justiça? Se a justiça, no sentido mais geral, é a conformidade da ação com a regra, qual será a regra? Não são as propensões; não é a consciência, nem a mesma razão; tudo isto pode ser considerado como órgão, ou publicador da regra; mas não como a mesma regra. As propensões são meros estímulos, são cegas, e, demais, se deterioram e corrompem.
A consciência caleja, ou não deixa mais ouvir o imperativo da sua voz; a razão se deprava. Eis quando o homem sente a necessidade da revelação para o segurar na prática do que é justo, para o encaminhar direto para a felicidade, objeto igualmente de seu desejo.
A revelação, atestando a verdade de uma vida futura, promete castigos e recompensas que, por sua intensidade e duração farão a felicidade ou a desgraça do homem moral. Eis aqui como aos motivos naturais da obrigação se ajuntam os sobrenaturais, para firmar melhor o uso da liberdade. A idéia que formamos da bondade e sabedoria do Criador nos autoriza a crer que ele havia de providenciar a respeito do homem de tal maneira que pudesse acertar com o fim, para que lhe foram das suas faculdades. O próprio homem não podia ser criado no estado de infância; então, certamente, pereceria. Fora ainda da sociedade, sem desenvolvimento de suas faculdades, era um ente inútil e imperfeito; era, pois, de necessidade que fosse criado adulto e instruído pelo Criador de todas as verdades necessárias e úteis ao seu fim; e, assim, se constituísse capaz de transmiti-las à sua posteridade; é isto mesmo que nos ensina a revelação.
A regra de nossas ações é que se chama lei: é uma norma, uma proposição obrigatória ditada por legítimo superior; é o resultado ou conseqüência das relações que tem os entes entre si.
Esta lei está gravada em nossos corações, como atestam a razão e a consciência, cuja voz poderosa é esta: adora, ama e confia no teu Criador, respeita suas obras, concorre para os fins que ele pretende; é, portanto, demonstrável, ainda nos casos em que a revelação de novo a publica; contudo, se nossas faculdades embaraçadas, ou por fraqueza ou por corrupção, não atinarem com a demonstração, nem por isso deixa a lei ser demonstrável ou obrigatória. Por toda a parte que o homem lança os olhos, observa a ordem. Ordem é uma série de entes simultâneos ou sucessivos, ligados por propriedades que os determinam, pelos quais uns dizem respeito aos outros, obram entre si de tal sorte que todos concorrem para o mesmo fim. Todas as partes de uma planta são outras tantas ordens, que se ligam para o fim da conservação, crescimento e perfeição da mesma planta. Cada parte do corpo animal é outra ordem que tem por fim a sua perfeição; mas, ligadas, concorrem para a vida e a perfeição do animal: as faculdades do homem, cada uma tem sua órbita, mas se ligam dos outros entes para algum fim comum. Enfim, cada ente tem suas propriedades encaminhadas ao fim particular do mesmo ente, mas com relação às propriedades dos outros entes para algum fim comum.
Desta sorte o observador descobre ligações e ordem desde o átomo até o Autor da Natureza; e conhece que o fim último de todo o criado é a manifestação da onipotência, sabedoria e bondade do Criador; e nisto a razão está de acordo com a revelação. Em conhecer, pois, esta ordem ou as diferentes ordens parciais, de que se compõem a origem geral, está todo o ofício do filósofo moral. Sobre a Filosofia Moral Feijó diz: "A Filosofia Moral é a ciência que trata dos deveres do homem e dos meios de ser feliz. Sendo o homem a única substância conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, isto é, para ter um valor real, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originários e primitivos de toda a ciência humana. A observação, pois, da natureza moral do homem, considerado em si e nas relações que naturalmente encerra, formará a teoria da ciência moral. Os deveres do mesmo homem e os meios de ser feliz formarão a sua parte prática" (Diogo A. Feijó, Caderno de Filosofia, Ed. Grijalbo Ltda. 19767, pág. 121).
O homem moral, portanto, será aquele que entender esta ordem e obrar a respeito de cada ente, segundo a natureza própria e as relações que encerra, tendo sempre em vista que da harmonia dos fins particulares com os fins gerais de cada série e da desta com o fim último é que nasce o conhecimento das propriedades de cada ente em toda a sua extensão.

A FENOMENOLOGIA

As controvérsias acerca da existência do mundo material – ou mundo exterior por oposição ao mundo interior da vida psíquica – conduziram Husserl à atitude fenomenológica.
Para os escolásticos, que nisto seguem Aristóteles, a alma e o corpo constituem os dois princípios metafísicos de uma substância única, o homem, cujo corpo é a matéria e cuja alma é a forma: daí o nome de hilomorfismo. Mas estes dois princípios constitutivos apresentam uma ação inseparável: as impressões registradas pelo corpo repercutem na alma e os pensamentos mais espirituais surgem necessariamente com o acompanhamento, considerado material, da imagem. Nestas condições compreende-se a possibilidade do conhecimento direto do mundo exterior.
A teoria escolástica da unidade substancial do composto humano, Descartes contrapôs o seu dualismo: na sua opinião, o homem é essencialmente uma alma à qual o corpo pura máquina está unido tão-somente por meio dos "espíritos animais". Esta alma acha-se, pois, encerrada em si mesma, alcançando diretamente só as suas próprias impressões, a existência de uma realidade exterior, necessária para explicá-las. Sendo impossível verificar a verdade obtida, pois, por hipótese, nada era dado ao homem fora de suas impressões subjetivas, a especulação filosófica chegou logicamente a negar a existência de uma realidade externa e mesmo a do princípio permanente do pensamento a que atribuímos o nome de alma ou espírito. Tudo se reduz a imagens ou representações. Eis a teoria proposta por David Hume o que se chamou de fenomenismo.
Há mais de dois séculos, o pensamento filosófico defronta-se com este problema: existirão apenas fenômenos ou também coisas em si, um mundo de objetos materiais, um mundo dos espíritos? A obsessão deste problema e a solução em que nos fixamos impedem a observação sincera dos fatos, a única capaz de promover um progresso do pensamento. Tal atitude lembra a de Descartes rejeitando sistematicamente toda afirmativa conta a qual se pudesse levantar qualquer motivo de dúvida. Com efeito, a fenomenologia não é, como a psicologia comum, uma simples descrição dos dados imediatos da consciência: consiste numa reflexão sobre o sujeito pensante; a sua psicologia é uma psicologia reflexiva.
O fenomenólogo procura apreender a si mesmo como eu puro, isto é independentemente das determinações vindas do objeto.
Ao lado dos fenomenólogos que procuram determinar as estruturas universais da atividade empírica da consciência, outros, na Alemanha, pretenderam, pela observação da intencionalidade emocional, determinar as normas de sua atividade moral, dos valores essenciais. O essencialismo fenomenológico dos valores nos reconduz ao nosso ponto de partida, ao platonismo, em cujas perspectivas devemos nos situar, a fim de compreender, por oposição, o existencialismo moderno e a sensação de vazio que ele deixa nas almas.
Esta descrição fenomenológica do conhecimento revela-nos clarissimamente que o conhecimento confina com três territórios limítrofes que são: a psicologia, a lógica e a ontologia. Com efeito, se o conhecimento é correlação de sujeito-objeto, mediando o pensamento, o conhecimento toca na psicologia, porque a psicologia trata do sujeito e do pensamento como vivência do sujeito. Se o conhecimento é esta correlação sujeito-objeto, mediando o pensamento, limita também com a lógica porque a lógica trata dos pensamentos como enunciados, não enquanto vivências, somente quando dizem algo de um objeto. As leis, as normas internas disso que se diz de algo são as leis da lógica. A lógica, limita também, pois, o conhecimento. Mas a ontologia também limita o conhecimento; não há conhecimento sem um sujeito.
Por conseguinte, o objeto é o que estuda a ontologia. Estas províncias limítrofes da psicologia, a lógica e a ontologia, que limitam o conhecimento, são as vezes, enormemente perturbadoras porque a teoria do conhecimento terá de se construir com contribuições e com referências a essas três limitações.
Mas estas contribuições e referências à estes territórios limítrofes terão que ser feitas na teoria do conhecimento dentro do círculo de problemas que esta teoria apresenta; terão que ser feitas para resolver o problema que a teoria do conhecimento levanta, não ao contrário, não resolvendo problemas pertencentes à psicologia, à lógica ou à ontologia.
E um dos erros e das confusões que mais se cometem repetidamente na filosofia moderna consiste em utilizar a teoria do conhecimento para dar solução a problemas de psicologia, de lógica e de ontologia.

CONCLUSÃO

Desta maneira chega Kant à conclusão de que o espaço e o tempo são as formas da sensibilidade. E por sensibilidade entende Kant a faculdade de ter percepções. Sendo assim, o espaço é a forma da experiência ou percepções externas; o tempo é a forma das vivências ou percepções internas. Mas toda percepção externa tem duas faces: é externa por um dos seus lados, enquanto está constituída pelo que chama-se em psicologia um elemento "presentativo"; mas é interna, por outro de seus lados, porque, ao mesmo tempo que eu percebo a coisa sensível, vou dentro de mim, sabendo que a percebo, tendo não somente a percepção dela, mas também a apercepção, dando-me conta do que a percebo. Por conseguinte, o tempo tem uma posição privilegiada, por ser o tempo a forma da sensibilidade externa e interna, enquanto o espaço somente é forma de sensibilidade externa. Esta posição privilegiada do tempo é a base e fundamento da compenetração que existe entre a geometria e a aritmética, sendo, pois, duas ciências separadas paralelamente por um espaço e que se compenetram mutuamente. Desta sorte, toda a matemática representa um sistema de leis a priori, de leis independentes da experiência e que se impõem a percepção sensível. E, todavia, todas as percepções sensíveis, todos os objetos reais físicos na natureza e aqueles que acontecerem no futuro, eternamente, sempre haverão de estar sujeitos à essas leis matemáticas. Como isso é possível? Acabamos de falar sobre o desenvolvimento kantiano. Isto é possível porque o espaço e o tempo, base das matemáticas, não são coisas que conhecemos por experiência, mas antes formas de nossa faculdade de perceber coisas, e, portanto, são estruturas que nós, a priori, fora de toda a experiência, imprimimos sobre nossas sensações, para torná-las objetos conhecidos. As formas da sensibilidade, espaço e tempo, são pois, aquilo que o sujeito envia ao objeto para que o objeto se aposse dele, assimile-o converta-se nele e logo possa ser conhecido. Então diremos que Kant emitiu sobre as coisas em si (que continuavam perseguindo os idealistas desde Descartes) uma definitiva sentença de exclusão. As coisas em si mesmas não existem, e se existem não podemos dizer nada delas, somente se estas coisas estiverem extensas no espaço e sucessivas no tempo. Porém, como o espaço e o tempo não são propriedades que pertençam às coisas "absolutamente", mas formas da sensibilidade, em nenhum momento terá sentido o falar de conhecer as coisas "em si mesmas". A única coisa que terá sentido será falar, não das coisas em si mesmas, mas recobertas das formas de espaço e tempo. E essas coisas recobertas das formas de espaço e tempo chama-as Kant "fenômenos". Por isso, Kant diz que não podemos conhecer coisas em si mesmas, mas fenômenos. E que são fenômenos? São as coisas providas já dessas formas do espaço e do tempo que não lhes pertencem a si mesmas; porém lhes pertencem enquanto são objetos para "mim", vistas sempre na correlação objeto-sujeito.
Quanto à fenomenologia kantiana, graças a análise do que é conhecimento e dos territórios que com ele limitam, se tivermos muito cuidado de ir perseguindo nosso problema metafísico, sabendo exatamente dos perigos em que está o espírito de confundir estes elementos que limitam com o pensamento, então teremos um fio de que nos conduzirá muito bem através desse labirinto, e poderemos, ocupar-nos mais demoradamente da filosofia moderna a partir de Descartes, desligando e afastando as confusões fundamentais que se cometeram entre lógica, psicologia e ontologia. Num caso típico, na filosofia de Kant, os intérpretes dessa filosofia kantiana cometeram, eles mesmos, estas confusões, e uns de um lado – psicologistas – e outros de outro – logicistas – nos deram ambos uma visão falsa do fundo do pensamento kantiano. Mas isto não o poderíamos ter conseguido sem essa prévia e minuciosa descrição fenomenológica do fenômeno do conhecimento.
Sobre esta sede incessante do homem em buscar fontes sobre o fenômeno do auto-conhecimento, Paul Foulquié diz o seguinte: "Ao reconhecer apenas um valor, o da escolha pessoal por cujo intermédio nos determinamos a sermos nós próprios e não a pálida imitação de outrem, o produto de um meio, a causa da existência constitui algo tentador para o homem moderno. Mas é preciso tomar cuidado para não se contradizer: um existencialismo adotado por esnobismo ou porque está no ar seria mera caricatura do existencialismo autêntico. Ademais, não se deve tomar pela concepção clássica da vida a caricatura que dela fornecem os existencialistas ateus" (Paul Fouquié, Existencialismo, Ed. Difel, 3ª ed., 1975, pág. 125).

Bibliografia


KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. Editora Ícone - São Paulo. 1993, tradução de Edson Bini.
FOULQUIÉ, Paul. O Existencialismo. Ed. Difel - São Paulo/Rio de Janeiro, 1975, 3ª ed., tradução de J. Guinsburg.
CORONADO, Guilhermo de la Cruz. Fundamentos de Filosofia – I Lições Preliminares. Ed. Mestre Jou - São Paulo, 1976.
FEIJÓ, Diogo A. Cadernos de Filosofia. Ed. Grijalbo – São Paulo, 1967.
HUSSERL, Edmond, Meditações Cartesianas, Colin, 1931.



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