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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A MEMÓRIA E O SUCESSO ESCOLAR.


A MEMÓRIA E O SUCESSO ESCOLAR

*Mário Henrique de J. Gomes
(Recensão Crítica ao livro de Alain Liery)

Introdução
A memória é uma palavra tão introduzida no uso familiar, que raramente se pára para pensar nela.
Todos já comentámos alguma vez a grande memória de um amigo, já demos volta à cabeça para nos lembrarmos de algum assunto, já vimos em concursos de televisão verdadeiros monstros da memória que sabem tudo sobre determinado tema.
Todos ouvimos falar na prodigiosa memória do famoso filósofo Picco della Mirandola (1400), que era capaz de memorizar e repetir, sem omitir uma só palavra, textos longuíssimos e não só isso: depois repetia-os começando do final para o início.
Porém, ocorre-nos perguntar: porque lembramos? Que mecanismos entram em função na memória? Porque esquecemos?

Alain Liery procurou, através do livro que seguidamente se encontra recenseado, revelar mais dados e informações relativas à memória. E, como a concebe profundamente implicada no fenómeno do sucesso escolar, intenta abordar a complexidade de diversos mecanismos que a caracterizam. Recorre às revelações de estudos contemporâneos, com o objectivo de falar da sua associação à inteligência. Considera-se a memória como uma faculdade essencial ao processo de aprendizagem.

Resta referir, antes de entrar propriamente na recensão do livro "Memória e Sucesso Escolar", que o autor tem, também, realizado várias experiências colectivas acerca do fenómeno da aprendizagem e das potencialidades da memória. Algumas dessas experiências são descritas neste livro.

É importante, também, referir que para o estudo da memória têm-se utilizado diversos sistemas que variam segundo o aspecto da memória que se pretende estudar (desenvolvimento da aprendizagem, economia de tempo, etc.).
Concretamente, trata-se dos seguinte:
1. Método da retenção de fragmentos
2. Método do estudo
3. Método do reconhecimento
4. Método da economia
5. Método dos acertos
6. Método da reconstrução

1. Memórias icónicas
A obra de Alain Lieury é iniciada com a abordagem à memória visual, fotográfica ou icónica. Através de um pequeno exercício prova-nos que "memorizar um quadro inteiro como uma fotografia é na verdade uma tarefa impossível; com mais razão uma página inteira". Isto, para provar que ninguém possui a memória popularmente chamada fotográfica, mas antes uma memória icónica.
Este tipo de memória é limitada pelo "campo visual eficaz" e pela "duração de vida efémera desta memória".

2. Informações em forma visual ou forma auditiva
Para o sucesso escolar, levanta-se a questão de qual das formas de apresentação tem mais eficácia: visual, auditiva ou audiovisual. Resultados de experiências demonstram que a apresentação auditiva é ligeiramente superior à visual, pese embora se julgue o contrário. Concretamente: a memória icónica dura 250 a 500 milésimas de segundo, enquanto a memória auditiva tem uma duração de 2 a 3 segundos.
Pode concluir-se pois, que "a melhor representação é, portanto, a audiovisual, completada com o exercício de repetição e escrita".
Muitas experiências foram feitas, algumas descritas por Alain Lieury. Delas se pode concluir que a memória "assenta em numerosos sistemas especializados, chamados módulos. Os módulos sensoriais existem, mas são muito efémeros.
Outro aspecto não menos importante é o que se refere às crianças mais novas que têm desempenhos auditivos mais fracos do que as mais velhas.
Em relação aos músicos, eles adquirem, com a sua formação musical, um sistema lexical especializado. Nas palavras do autor: "quando o músico transcreve de memória uma melodia, não é em função de imagens auditivas puras, mas sim de memória lexical feita de notas de música, tal como uma partitura".


3. O ruído e a memória
No decorrer deste livro, Alain Lieury busca uma tentativa de esclarecer se prejudica ou não as aprendizagens, estudar com ruído ou com música. Segundo as investigações descritas, fica demonstrado que apenas os barulhos intensos implicam perturbações e deficiências fisiológicas. Com vista a comparar o funcionamento da memória em três ambientes sonoros diferentes, as experiências levam a concluir que apenas a música vocal é incomodativa para a memorização. A música instrumental tem pouco impacto na redução do desempenho. O silêncio, esse, não perturba.
Quando se compara a música vocal com a conversação da TV, demonstra-se que é o facto de ser vocal que incomoda e perturba a memória. Qualquer que seja a sua natureza, canções ou diálogos, o vocal perturba. Isto leva a concluir que não é a música nem o ruído que causam incómodo, mas sim as palavras.
A explicação surge de seguida: há "concorrência cognitiva", isto é, o mesmo sistema de tratamento é mobilizado para duas actividades: aprendizagem e audição vocal. "As palavras de canções (...) interferem com o tratamento lexical na entrada da informação."
Sendo essencial na memorização a vocalização, suprimi-la provoca uma diminuição na memória.
A grande conclusão para a pedagogia: é preferível desenvolver a subvocalização do que impedi-la.

A velha questão da memória associada ao papaguear veio a propósito.
"A memória semântica é apenas conceptual, não armazenando mais do que o significado, o sentido das palavras; a morfologia das palavras é armazenada numa outra memória, a memória lexical."


4. A imagem e a memória
A experimentação refere, no que toca às imagens, que estas são eficazes em memória de palavras. Enquanto a média de rememoração é de cerca de sete para as palavras, já é de cerca de nove para os desenhos.
Allan Paivio explica este fenómeno pela teoria da "dupla codificação". É necessário mais tempo para denominar uma imagem do que ler uma palavra. Na leitura a descodificação do grafismo é muito rápida, porque a interpretação semântica é opcional. A imagem, por sua vez, passa necessariamente pela memória semântica, antes de encontrar a palavra adequada. Isto leva mais tempo.
Encontra-se este facto relacionado com a literacia. Esta questão recentemente levantada, tem a meu ver bastante a ver com isto. É possível ler um texto, inclusive em voz alta, sem o descodificar, sem verdadeiramente o compreender.

Já Jaen Piaget e Bärbel Inhelder explicaram que a memória das crianças está relacionada com o desenvolvimento cognitivo.
As experiências realizadas, nomeadamente comparando desempenhos na memorização de imagens entre crianças e jovens, demonstram que a "memorização de imagens complexas (...) necessita de uma análise da imagem". A memória dos mais novos falha pela falta de uma "análise perceptiva da imagem".

Sabendo que há três possibilidades de apresentar as palavras: visual, auditiva e audiovisual; e que os conhecimentos podem ser de dois tipos: verbal, verbal + imagem e imagem e feitas as devidas experiências, deduz-se que:
· os métodos tradicionais de ensino são os mais eficazes: a leitura e o manual, seguido de perto pela cruzamento verbal + auditivo, completado pela escrita no quadro das palavras-chave (sem imagem).
Em suma, a leitura mantém-se como o modo privilegiado de apresentação de conhecimentos.


5. Como regista a memória - memória a curto prazo e a longo prazo
A questão de a memória da criança gravar como um gravador, definitivamente de uma só vez, foi também estudada e ficou demostrado que a memória não funciona como um magnetofone, gravando de uma única vez.
Há dois tipos de memória, relativamente ao seu funcionamento, a memória a curto prazo, que tem a limitação de sete palavras e sofre um esquecimento em alguns segundos, e a memória a longo prazo, que tem uma capacidade extensível e na qual o esquecimento é progressivo em função do tempo. A memória a curto prazo funciona como se fosse um ficheiro, dispondo de aproximadamente sete unidades de memória.
Já por diversos autores foram comparadas com as memórias do computador. Também este autor as compara: a memória a curto prazo é comparável à memória RAM (a informação perde-se quando o computador é desligado e tem uma capacidade menor - actualmente os PCs têm 32MB) e a memória a longo prazo que é comparável ao disco rígido (a informação é guardada até ser eliminada para deixar "espaço" livre e tem uma capacidade muito superior - até vários milhares de MB).

As limitações da memória a curto prazo explica que não possamos aprender muitos elementos ao mesmo tempo. A organização semântica é o modo de aprendizagem mais eficaz. Com ela é possível o uso de "pacotes" onde se podem agrupar palavras em cada nível. Contudo, não basta compreender (semântica) para aprender. Mesmo quando as palavras são organizadas em famílias semânticas, são necessários alguns exercícios de aprendizagem.

Em relação à memória a longo prazo acrescente-se, ainda, que quantos mais forem os conhecimentos nesta memória tanto mais a aprendizagem será facilitada, de um modo particular, nas possibilidades de organização. Desta forma, há uma relação entre o grau de conhecimentos anteriores e as diferenças de velocidade nos bons alunos e nos fracos.
Em suma, e de acordo com a síntese proposta, a "organização é o motor da aprendizagem" e "quanto mais se sabe, melhor se aprende".


6. O esquecimento
A lei do esquecimento demonstrada pela primeira vez por Ebbinghauss, em 1885, é encontrada por todos os investigadores: "o esquecimento instala-se infalivelmente se não se estuda regularmente". Mais uma vez é de salientar que a memória não é comparável a um gravador.
É bom recordar que no seu livro Lições sobre a memória, Ebbinghauss reuniu imensas experiências acerca da memória. Teve grande repercussão pelo facto de a Psicologia estar numa fase nascente. Os psicólogos experimentais desta época, influenciados pela psicologia clássico-especulativa, não se haviam afastado do contexto cartesiano. O método utilizado pela primeira vez por Ebbinghauss foi o método da economia.

Investigações mais recentes, menos pessimistas, referem que o esquecimento não é um apagamento. O esquecimento é o insucesso na recuperação das informações.
Neste livro, refere-se o "pioneiro da memória", mas não é abordada a clássica curva de esquecimento do referido Ebbinghauss. Seria útil perceber as três fases de desperdício, embora nesta curva só se dê conta da memória sem fazer intervir a compreensão, a vontade e o afecto. Tratava-se de fixar sílabas desprovidas de sentido e de interesse com o objectivo de obter uma ideia satisfatória da "disponibilidade" normal da memória. A curva de esquecimento demonstra, então, os resultados obtidos nas respectivas investigações, apresentando o funcionamento do esquecimento.
Esta curva realça claramente os períodos a organizar com particular atenção durante o estudo. A perda é maior do 6.º ao 10.º minuto e é, portanto, preferível efectuar, nesse momento, um primeiro reforço do que se aprende. Este corresponde ao "período privilegiado de reminiscência", conhecido pelo "fenómeno de Ward-Hofland". Existe, também, um segundo período privilegiado de reminiscência após vários dias ("fenómeno de Ballard-Williams), provavelmente devido à existência de um processo de maturação e a uma recuperação após a fadiga do estudo.

7. A Capacidade
Tendo em conta que a sobrecarga é nefasta para a aprendizagem é útil organizar em pequenas categorias as noções já conhecidas. Quando se trata de aprender noções não conhecidas, qualquer noção suplementar é uma sobrecarga.
Tendo em vista a utilidade das investigações na aplicação à pedagogia, é de referir que a sobrecarga pode ter consequências de desencorajamento sobre os alunos mais fracos. Daqui se conclui que: "a concepção dos programas deveria fazer-se com moderação, à medida das capacidades médias dos alunos".
Ideia a não esquecer: "no decurso da aprendizagem, a memória tem uma capacidade limitada".

Ao contrário da memória a curto prazo, cuja capacidade é estritamente limitada, a memória a longo prazo (lexical e semântica) tem capacidades imensas que desafiam a medida.

É descrita uma investigação realizada ao longo de quatro anos, com diferentes equipas. Realizaram inventários de manuais, seleccionando palavras que não pareciam fora do vocabulário corrente. Estes inventários mostram um crescimento considerável do número de palavras nos manuais, do 6.º ao 8.º ano, indo de cerca de 6000 a 24000.
"A Escola aparece, assim, como uma verdadeira odisseia através de um oceano de palavras e, tal como fazemos para os produtos de consumo, o Ministério da Educação deveria, talvez, propor um procedimento de avaliação dos programas e dos manuais com o objectivo de chegar a uma uniformização". Os manuais do ensino secundário são demasiado ricos no que toca a informações. A memória não é elástica e a sobrecarga é enorme nos manuais, como fica demostrado pelos estudos realizados.

8. Inteligência e memória
O sucesso escolar está mais associado à inteligência do que à memória. Isto, porque normalmente se considera a memória simplesmente como o "aprender de cor". Esta desvalorização advém de Descartes.
Dado o dualismo de Descartes - o que não é espírito é máquina - os experimentadores acreditavam que a memória podia ser entendida em termos mecânicos e não em termos psicológicos. A memória era considerada como o armazenamento de toda a vida psíquica em qualquer parte do cérebro. Aquando da necessidade de algo, provoca-se um impulso de corrente nervosa que produziria a imagem armazenada em forma de representação ou lembrança.
Ao atacar os charlatães, Descartes, transmitiu a mensagem de os conhecimentos poderem ser deduzidos do raciocínio. Em Psicologia, o raciocínio foi considerado, durante muito tempo, como a inteligência por excelência.
Para Piaget, a memória estava subordinada às estruturas da inteligência
A partir das descobertas feitas sobre a memória nos anos 60-70, esta aprece como infinitamente mais complexa e importante. As investigações têm vindo a provar a importância da memória nas actividades mentais. A memória começa a ser4 considerada como a fonte dos conhecimentos.
Assim, se concluirmos que a memória dispõe de um conjunto de mecanismos de codificação e de armazenamento dos conhecimentos, ela está relacionada com o sucesso escolar. Nas próprias palavras do autor, "para a escola, a memória enciclopédica, medida pelo conhecimento do vocabulário das matérias, é o melhor prenunciador do sucesso escolar".
A jeito de remate, poder-se-á dizer que a memória e inteligência não têm, necessariamente, de continuar separadas.


Conclusão
A memória parece um tema que, pela sua familiaridade, está fora de qualquer discussão e estudo, pois já é bastante conhecido por todos. No entanto, existem muitas perguntas que, se forem feitas, exigem resposta, tais como: por que recordamos?, por que esquecemos?, etc..
Ao longo do livro de Alain Liery são apresentados estudos e experiências, desde os primeiros estudos experimentais que foram realizados por Ebbinghauss, a quem se deve um grande contributo para este tema, até aos estudos contemporâneos.
A memória é um campo de difícil estudo, dada a sua íntima conexão com o sistema nervoso e o cérebro e já que estes são, apesar do seu contínuo estudo, desconhecidos em muitos aspectos.
Conhecê-la, ainda que de uma forma limitada, é essencial para que a possamos utilizar melhor e, neste âmbito, transformá-la num parceiro para o sucesso escolar.

Bibliografia complementar C.E.A.C., Curso Básico de Psicologia. 18 vols., 3.ª edição, Lisboa, 1994 CHAUCHARD, P.. La memoria. Ed. Mensajeros, Bilbau, 1971 FILLOUX, J. C. . La memoria. Ed. Diana, México, 1970 FRAISSE-PIAGET. Aprendizaje y memoria. Ed. Paidós, Madrid, s.d. LIEURY, Alain. Memória e Sucesso Escolar. Vol. 8, 1.ª edição, tradução de Ana Patrão, col. "Ensinar e Aprender", Editorial Presença, Lisboa, 1997 SAINTE-LORETTE, Patrick de & Jo Marzé. Como desenvolver a memória. Vol. 8, 1.ª edição, tradução de Paulo Pais, col. "Saber Aprender", Porto Editora, Porto, 1996

Publicado em 01/01/2000

*Mário Henrique de J. Gomes - Mestre em Ciências da Educação

Fonte: http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=238

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