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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A educação grega e nós Olavo de Carvalho



A educação grega e nós
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 25 de novembro de 2013 
          

A educação na Grécia antiga, cujo sucesso inegável é amplamente comprovado pela criatividade em todos os campos do saber e da arte, voltava-se, acima de tudo, à preparação dos jovens para os altos postos da vida pública: a política, a magistratura e a educação mesma. Se não é, portanto, uma fórmula que se possa copiar na instrução das massas em geral, e se nos dias de hoje seria utópico tentar imitá-la até mesmo para a formação da classe dominante, dos políticos, dirigentes de empresas, comandantes militares, bispos e cardeais, ela continua, no entanto, um modelo excelente para a educação da elite intelectual.
         Não pretendo que seja possível ou mesmo desejável montar uma escola, muito menos um sistema nacional de educação, segundo o formato grego. Não é nesse sentido que uso a palavra “modelo”. Uso-a para designar apenas uma unidade de comparação e de medida que possa servir para a orientação pessoal, seja de alguns educadores, seja de pais de família interessados em homeschooling, seja de estudantes devotados a educar-se ou reeducar-se a si mesmos. Alguns dos meus alunos já têm clara consciência disso e vêm tirando proveito do exemplo grego, tanto para si mesmos quanto para seus filhos e, quando são professores, para seus alunos (v., por exemplo, http://radiovox.org/2013/10/24/carlos-nadalim-encontrando-alegria/).
         Atendida essa limitação, a primeira coisa que deve nos chamar a atenção é a prioridade absoluta que, na educação infantil, se dava ao treinamento literário e artístico. Após a instrução moral básica dada pela educação doméstica, praticamente só o que se ensinava às crianças, tão logo elas estivessem alfabetizadas, era ler e decorar as obras dos grandes poetas, participar de encenações teatrais, cantar, dançar e fazer ginástica. Isso era tudo. O resto cada um aprendia por si ou com professores particulares.
         Eis como Platão descreve esse processo:
         “Quando os alunos aprendem a ler e começam a compreender o que está escrito, tal como faziam antes com os sons, dão-lhes a ler em seus banquinhos as obras de bons poetas [épicos], que eles são obrigados a decorar; obras cheias de preceitos morais, com muitas narrativas de louvor e glória dos homens ilustres do passado, para que o menino venha a imitá-los por emulação e se esforce por parecer-se com eles... Depois de haverem aprendido a tocar cítara, fazem-nos estudar as criações de outros grandes poetas, os líricos, a que dão acompanhamento de lira, trabalhando, desse modo, para que a alma dos meninos se aproprie dos ritmos e da harmonia, a fim de que fiquem mais brandos e, porque mais ritmados e harmônicos, se tornem igualmente aptos tanto para a palavra quanto para a ação. Pois, em todo o seu decurso, a vida do homem necessita de cadência e harmonia. Em seguida, os pais entregam-nos ao professor de ginástica, para que fiquem com o corpo em melhores condições de servir ao espírito virtuoso, sem virem a ser forçados, por fraqueza de constituição, a revelar covardia, tanto na guerra quanto em situações semelhantes.” (Protágoras, 325 d7 ss. Tradução de Carlos Alberto Nunes ligeiramente modificada.)

         Em seu livro densamente documentado, Arts Libéraux et Philosophie dans la Pensée Antique (Paris, Vrin, 2005), a erudita germano-francesa Ilsetraut Hadot acrescenta: “Os jovens de famílias prósperas recebiam também, desta vez gratuitamente, uma educação complementar tomando parte num côro trágico ou lírico, por ocasião das festas cultuais locais. Essas demonstrações eram, com freqüência, primeiras representações de uma peça de teatro ou de uma poesia lírica de autor contemporâneo; eram portanto a ocasião, para os jovens, de ser colocados em contato com todas as novas criações literárias do seu tempo e de aprendê-las de cor. Esta espécie de educação era tão importante, que Platão, nas Leis (II, 654 a-b), se vê levado a identificar o homem culto (pepaidymênos) com aquele que participou de um côro com freqüência suficiente (ikanos kekoreykôta) e, ao contrário, o homem sem cultura com aquele que jamais fez parte de um côro (akôreytos).”
         Não há exagero em dizer que os jovens gregos, muito antes de entrar na vida pública, já tinham uma cultura literária superior à da média dos nossos atuais professores de Letras.
         A preparação para a cidadania só começava depois de encerrada a etapa da educação escolar:
         “Quando saem da escola, a cidade, por sua vez, os obriga a aprender leis e a tomá-las como paradigma de conduta, para que não se deixem levar pela fantasia e praticar alguma malfeitoria.”
         Isso já era assim desde antes do advento dos sofistas, professores ambulantes que iam de cidade em cidade ensinando a arte da oratória e dos debates públicos. Os sofistas introduziram essas matérias na educação de alunos que já vinham não só com uma boa base literária e artística, mas com algum conhecimento das leis e princípios que regiam a vida social, conhecimento do qual a sofística era apenas um complemento técnico mais avançado. Prossigo esta explicação e tiro algumas conclusões dela no próximo artigo.


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