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quinta-feira, 24 de abril de 2014

A grande falha de Darwin?


A grande falha de Darwin?

Há certos enunciados que atingem o patamar de verdade científica apenas pela repetição constante e maciça. A biologia — esse ramo das ciências tão marcado pelas subjetividades — e em particular a biologia evolutiva está repleta desses enunciados e conceitos que são verdadeiros apenas pela repetição. Temos, portanto, uma legião de professores, de alunos e principalmente de leigos aceitando argumentos ad populum, verdades que só são verdades porque todo mundo diz que são, ora bolas!
A maioria dessas alegações é facilmente falseada se nós apenas dispusermos de tempo e de capacidade mental para as analisarmos. Outras requerem observações e experimentações científicas, mas são da mesma forma derrubáveis e derrubadas. Um exemplo de que gosto particularmente é o ubíquo e famigerado “mapa da língua”. Desde que me entendo por gente, desde a quarta série (atual quinto ano) do primeiro grau (atual ensino fundamental), vejo em livros de ciências e de biologia o mapa da língua: a língua possui regiões de maior sensibilidade ao doce, ao salgado, ao azedo e ao amargo. Acontece que os cinco receptores epiteliais para os sabores — doce, salgado (sódio), azedo (ácidos), amargo e umami (glutamato) — não apresentam nenhuma assimetria mensurável em sua distribuição pela língua. Numa palavra, não existe nenhuma distribuição desigual dos receptores, não há nenhum “mapa da língua”. Mas aqui entra o argumento ad populum: o número de livros com o mapa da língua (praticamente todos!) é tão grande, desde o ensino fundamental até o próprio ensino superior, que alguém que se disponha a falar que não há tal distribuição vai se ver enterrado em provas do contrário, e se sentirá investindo com lanças de madeira frágil contra moinhos de tijolos sólidos.

O famigerado mapa da língua (fonte: Scientific American, março de 2001).
Um grande amigo meu, que eu reputo como uma mente sóbria e lúcida, costuma falar sempre que, numa discussão sobre a veracidade ou não de um conceito ou enunciado, devem-se citar artigos, e não livros. Acontece que a maioria dos alunos do ensino médio não tem sequer noção do que seja um artigo científico, nem de sua importância. Assim, se um artigo da Journal of Cell Biology diz uma coisa e seu livro didático diz outra, ele costuma aceitar esse último. Mas isso não se dá por má fé ou birra do aluno: ele simplesmente, na maioria das vezes, desconhece o que seja um paper. Na prática, até mesmo professores desconhecem: vejamos o exemplo dos mesossomos. Muita gente acha que existem dobras da membrana plasmática de certas bactérias, onde há maior concentração de enzimas associadas à fosforilação oxidativa. Bem, acontece que mesossomos não existem como estruturas da bactéria: essas invaginações ocorrem quando a bactéria é preparada para observação no microscópio eletrônico. Disse isso a um colega meu, e ele, contrariado, me mostrou que a maioria dos livros de biologia fala de mesossomos como uma estrutura bacteriana, servindo para tal e tal função. Muito bem, na semana seguinte levei para ele um paper da “Archives of mycrobiology” mostrando que mesossomos não existem. Esse colega meu, aliás, é um bom professor e pessoa da qual gosto muito; mas, pra ele, o artigo não significou nada: simplesmente boa parte dos professores não tem idéia do que seja uma publicação revista por pares (peer review), nem da sua importância como referência fidedigna. Apenas como observação adicional, acabei agorinha mesmo de pesquisar na Wikipédia (sim, eu também leio a Wikipédia!), e até mesmo lá o artigo sobre mesosome afirma que, desde a década de 70, sabe-se que não existem tais estruturas.
E por que todo esse prolegômeno? Para falar de outra dessas “verdades cristalizadas”, estabelecidas pela tradição e pela repetição. Diz respeito ao nosso pobre Darwin, tão vilipendiado…
Os principais livros didáticos do ensino médio nos dizem que Darwin foi um homem à frente de seu tempo, um pensador genial e enaltece a coerência de sua estrutura teórica. Nada mais justo. Contudo, segue-se normalmente uma ressalva: o grande problema de Darwin, uma de suas (senão a maior) falhas foi não saber explicar as causas da variedade nas populações. Cita-se que Darwin não conheceu os trabalhos de Mendel (o que é fato), e que morreu sem ter resolvido esse problema em particular. Professores reiteram ano após ano essa “falha” de Darwin, e seguidas gerações de estudantes secundaristas já ouviram isso. Mas até que ponto isso procede?
Antes de tudo, seria conveniente discutir se essa era realmente a explicação que faltava ao corpo teórico de Darwin em sua época, ou seja, se essa era a peça restante, capaz de tornar as idéias de Darwin claras e amplamente aceitas. Um conhecimento básico da história da biologia evolutiva mostra que esse não era o caso: as maiores críticas que Darwin recebeu, e aqui estou logicamente me referindo à comunidade científica — pois as críticas de caráter religioso e místico não nos interessam —, diziam respeito à mecânica do processo seletivo e evolutivo, e não à questão da origem das variações. Mas, mesmo assim, apenas para chegar ao meu objetivo, admitamos que fosse esse o problema: o desconhecimento dos princípios da genética mendeliana clássica teria sido a grande falha de Darwin. Portanto, cabe agora perguntar: caso Darwin conhecesse tais princípios, de que forma isso lhe teria sido útil?
A genética mendeliana clássica, em seus primórdios, trabalhava basicamente com características qualitativas: a flor poderia ser terminal ou axilar, a semente poderia ser amarela ou verde, a planta poderia ser normal ou anã… Veja que, com muito esforço e boa vontade, poderíamos falar aqui de variáveis quantitativas discretas, mas com um reduzidíssimo número de valores possíveis. Contudo, falar de variáveis quantitativas contínuas, jamais! Para quem não tem familiaridade com esses termos, o que quero aqui dizer é que Darwin concebia a seleção como um processo que mudaria de forma lenta, gradual, uma variável inerentemente quantitativa: o tamanho do bico vai mudando milímetro a milímetro ao longo das gerações, a largura da folha vai mudando milímetro após milímetro ao longo das gerações, e assim por diante. As modificações evolutivas para Darwin eram quantitativas contínuas.
Ora, imagine associar a isso uma genética que trabalhasse com características qualitativas. O resultado é fácil de perceber: não há como explicar a evolução gradual por seleção tendo como pano de fundo tal genética! Na verdade, e poucos professores percebem isso, o ressurgimento da genética mendeliana clássica na primeira década do século XX foi um enorme empecilho para a biologia evolutiva clássica! Ou seja, ao contrário de ser uma ajuda, a genética clássica constituiu um problema, quando se considerava a base genética do processo seletivo. A situação só começou a mudar em meados da década de 10, quando pesquisadores como William Castle mostraram que variações quantitativas contínuas (ou mesmo discretas, com grande número de valores possíveis) são explicadas geneticamente. Assim, quando a genética quantitativa já era relativamente bem conhecida, a partir da década de 20, foi possível dar uma base genética à evolução por seleção.
O que eu gostaria de defender aqui é que nós analisássemos com mais cuidado certos conceitos cristalizados, que de tanto serem repetidos acabam ganhando vida própria. E que, assim como a Hidra de Lerna, quando se lhe corta uma cabeça, outra surge no lugar.

 http://biologiaevolutiva.wordpress.com/2010/04/03/a-grande-falha-de-darwin/

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