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sexta-feira, 11 de junho de 2010

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A AUTO-ESTIMA



CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A AUTO-ESTIMA

Cláudio Garcia Capitão
Theoretical considerations about self-steem

ResumoEste artigo objetiva, por meio de algumas incursões teóricas, resgatar a importância do conceito de auto-estima. Em fins do século passado o respectivo conceito foi banalizado pelos manuais de auto-ajuda, cujas formulações não possuem qualquer correlação com a nossa ciência, a psicologia, esta sim, digna  herdeira da tradição do espírito empreendedor da humanidade.
Palavras - chave: Auto-estima; Ciência; Psicologia.
AbstractThis article aims at, through some theoretical incursions, to rescue the importance of the self-esteem concept. In the end of last Century the respective concept was vulgarized by the manual of solemnity-help, whose formulations don’t possess any correlate with our science, the psychology, an heiress of the tradition of the humanity’s enterprising spirit.
Keywords: Self-esteem; Science; Psychology.
IntroduçãoAtualmente observamos, seja em conversas com amigos, através de jornais, de revistas e, especialmente, em nosso cotidiano hospitalar, serem muitas as considerações sobre a auto-estima. O paciente X está com a auto-estima rebaixada e isso faz com que ele sinta as coisas de forma negativa. O paciente Y melhorou sua auto-estima e isso fez com que ele respondesse de forma adequada ao tratamento.
A auto-estima passou a ser um conceito, na verdade, quase que um diagnóstico, independente. Deixou de ser um sinal, um sintoma ligado a tantos outros, resultado de uma condição psíquica, ou indicação significativa de expressão para um determinado diagnóstico.
A auto-estima é um conceito abrangente, uma vez que abarca múltiplos aspectos da personalidade. Pode influenciar o estado de ânimo de uma pessoa e ser influenciada por este, indicar como a pessoa se avalia e  como é avaliada pelos outros. O tema, em todas as áreas, tornou-se moderno e atual; não podemos deixá-lo de lado, sem uma reflexão séria das suas múltiplas nuances. 
A auto-estima é freqüentemente relacionada ao bem-estar físico e mental de uma pessoa, na grande maioria das vezes, reflete-se nas suas condições físicas, à aparência e em muitas evidências comportamentais. Se a tomarmos como uma representação, a auto-estima pode ser considerada como a expressão da relação unívoca entre a mente e o corpo, o que significaria uma unidade dividida apenas sob o ponto de vista semântico. Considerar tal relação, especialmente quando pretendemos tratar da auto-estima, torna-se uma necessidade urgente, especialmente para aqueles que trabalham em instituição hospitalar, onde o corpo, alvo das precipitações da alma, é que sofre em carne e osso o sofrimento de uma pessoa.
A Procura do ConceitoConceitualmente (Dorsch, 2001) a auto-estima, self steem, self regard pode ser considerada como o sentimento de poder, de satisfação e de valor estável que uma pessoa possui de si mesma.
O rebaixamento da auto-estima se expressa por sentimentos de desvalia, de vergonha, de inadequação e, por assim dizer, por uma sensação constante de inferioridade.
A Psicologia, em quase todas as suas concepções teóricas,  mostra a existência de uma relação importante entre o corpo e a mente e o conceito de auto-estima, sem referir-se diretamente a ela.
Krech e Crutchifield (1976) tratam das emoções ligadas à auto-estima, especialmente as produzidas pelos sentimentos de êxito, fracasso, culpa e remorso. Tais emoções seriam determinantes essenciais intimamente ligadas à percepção que um indivíduo tem de seu próprio comportamento, ou de seu comportamento em relação a outros padrões. Afirmam ser evidente que tais emoções aparecem gradualmente na criança, no transcorrer de seu  desenvolvimento, porém, não estabelecem quando a criança estaria pronta  para vivenciá-las.
O êxito e o fracasso são concebidos por padrões internos de realização e não pelos exclusivamente sociais, externos. Estes últimos, ressalvam, exercem uma grande influência no estabelecimento dos padrões internos e, em vista disso, as pessoas chegariam, até certo ponto, a organizar e ajustar seus próprios padrões numa relação significativa com os de outras. Como resultado dessa relação, o indivíduo formaria certa consciência dos juízos que se fazem a seu respeito.
Os sentimentos de êxito e de fracasso seriam então propiciados pela sensação de se ter atingido ou não uma meta desejada, e a partir dessa condição, verificar-se-ia a ebulição de emoções profundas de orgulho ou de vergonha. As emoções ligadas à culpa, por seu turno, surgiriam da percepção de uma transgressão moral, pela prática de determinados atos. Tais emoções  são relativizadas pela vivência individual, já que os padrões morais de realização, apesar de serem universalizantes para os participantes de uma mesma cultura, gozam de uma margem de elasticidade individual.
Allport (1966) contratriando alguns pontos de vistas de Krech e Crutchfield, coloca que uma criança de dois anos, a partir da frustração do impulso de exploração característico desta faixa etária, pode sentir um choque em sua auto-estima, resultado de um sentido agudo e consciente de si mesma, o que denota um eu já bem formado.
No seu rastreamento de como o eu se desenvolve nas diversas faixas etárias o autor aponta que, na idade de quatro a seis ou sete anos, em nossa cultura, a auto-estima adquire um traço competitivo.
Dando continuidade às suas formulações sobre a auto-estima, esse importante teórico da psicologia da personalidade acrescenta que muito de nossa vida social está centralizada na auto-estima. Para ele, envergonhar um homem é abalar sua auto-estima e o ressentimento seria uma maneira impulsiva de afirmação da auto-estima ofendida. O orgulho e amor próprio constituem-se então sinônimos para a auto-estima
Para Freud (1976) a instância psíquica denominada ego é a parte do aparelho mental que está em contato com a realidade externa e tem como finalidade garantir a segurança e o equilíbrio do funcionamento mental. O ego seria uma parte do id modificada pela ação direta do mundo exterior através do sistema perceptivo-consciente. Por esta razão, ele seria em primeiro lugar, um ego corporal, uma projeção mental da superfície corporal, uma espécie de correlação intrínseca entre o nosso corpo e a representação que temos dele na nossa mente.
Desde cedo o ego se utiliza de estratagemas para sentir-se forte e valorizado, ambicionando ganhar o controle sobre o id. Colocando-se como objeto de amor em relação ao id, como representante de objetos anteriormente diretamente investidos, transforma uma escolha objetal erótica em libido narcísica.
Para vislumbrar como era concebida a auto-estima por Freud, faz-se necessário deter-se um pouco nas suas posições. Em o Ego e o Id (1923) ele reestrutura o aparelho mental, sem abandonar seu conceito principal, o complexo de Édipo. Estipula que o resultado mais amplo da fase sexual dominada pelo complexo de Édipo pode ser a formação de um precipitado, consistindo de duas espécies de identificações, unidas entre si. Essa modificação do ego confronta os seus outros conteúdos, como um ideal do ego ou superego. O ideal de ego ou superego, nessa nova concepção de aparelho psíquico, responderia a tudo que seria esperado da natureza mais elevada do homem. Com tais formulações teóricas, Freud enriquece a complicada trama em que se vê envolta a auto-estima, ficando esta na dependência das relações internas entre as instâncias psíquicas.
Alguns anos antes, em 1914, levantando problemas que iriam  configurar a sua nova tópica, na terceira parte de seu artigo sobre o narcisismo, Freud (1976) refere-se diretamente a auto-estima, considera-a proporcional ao tamanho do ego, onde uma instância psíquica especial  teria a função providenciar  para que a satisfação narcísica do ideal do ego fosse assegurada, vigiando constantemente o ego atual e medindo-o por esse ideal. Discute a auto-estima tanto em pessoas normais como nas neuróticas, e, especialmente a relação da auto-estima com os investimentos objetais. Assinala que quando o investimento libidinal é correspondido, a pessoa teria sua auto-estima reassegurada, caso contrário, sua auto-estima seria rebaixada, pois iria sentir-se vazia, desvalorizada, por não ter seu amor correspondido.
Na continuidade de suas considerações sobre o movimento da libido, em Luto e Melancolia (1917) Freud procura estabelecer uma relação entre o luto e a melancolia, justificando-se  por considerar ambos os quadros psicológicos bastante parecidos. O luto é considerado como uma reação normal a uma perda consciente, desaconselhando, por sinal, qualquer intervenção psicoterapêutica, uma vez que, quando a pessoa se desliga dos investimentos no ente perdido, o processo chega ao seu término.
Na melancolia Freud apontou,  entre suas características, uma depressão profunda, a perda de interesse pelas coisas da vida, uma redução drástica na capacidade de amar, o empobrecimento de toda atividade física e o rebaixamento dos sentimentos de auto-estima até a um ponto de intensa auto-reprovação, de auto-injúria, chegando até a um desejo delirante de punição. Salientou Freud que tal rebaixamento da auto-estima não é encontrado no luto, sendo, pois, uma condição exclusiva da melancolia. Tal fato se dá como conseqüência do movimento da libido, anteriormente ligada ao objeto perdido, mas que, por um processo semelhante, porém mais intenso do que o recalcamento, perde sua mobilidade e, ao invés de investir em outros objetos, é transformado em identificação com o objeto perdido. O que se observa, então, é que as auto-injúrias e outros auto-ataques são na realidade dirigidos ao objeto, que desaba sobre o ego como uma sombra.
Além dessas considerações, salientou Freud que uma das particularidades encontradas na melancolia era a sua tendência para transformar-se em mania. Neste processo o ego se recobra da perda objetal e, por um acúmulo de investimentos no objeto-eu, tornando-se, então, livre, o que possibilita a regressão ao estado narcísico. Ou seja, o aumento da auto-estima estaria ligado a uma grandeza repentina e desproporcional do ego, que deixando a instância crítica de lado, torna-se  onipotente, tudo fica fácil e possível. É como se as mãos abertas, tentassem agarrar a água; mais precisamente, passa a existir aí um ego inflado, que tenta ir além das suas reais possibilidades, em uma auto-estima grandiloqüente.
Freud levantou a hipótese de que tanto a melancolia quanto a mania estariam possivelmente na dependência de condições físico-químicas, ainda desconhecidas, restringindo-se a analisar apenas os casos que haviam sido positivamente influenciados pelo processo psicanalítico, que por isso, deveriam ter como etiologia, fatores psicogênicos, como os que acabamos de assinalar.
Tentando contrariar a hipótese de Freud quanto ao movimento da libido de uma pessoa apaixonada, onde o objeto idealizado ganharia importância, pois a pessoa amada seria de longe a mais importante, Chasseguet-Smirgel (apud Kenberg, 1995) assinala que a projeção do ideal do ego na pessoa amada não reduz a auto-estima, mas a aumenta, porque as aspirações do ideal de ego são então realizadas. O amor retribuído aumenta a auto-estima como parte da gratificação de estar apaixonado e de ser amado.
Esta aparente contradição no que toca à auto-estima e ao movimento  da libido não é de fato muito relevante. Ela só ganha importância quando tomada como referência por um dos principais teóricos da psicanálise, pois, também para Freud, quando existe o retorno dos investimentos no objeto amado, o narcisismo secundário, restaura-se a confiança do eu, tornando-o feliz, por ser amado.
Para Jung (1982), o eu seria constituído por duas bases apenas aparentemente diversas, uma somática e outra psíquica. A somática seria conhecida pelas sensações de natureza endossomáticas que transpusessem o limiar da consciência, enquanto que parte  desse tipo de estímulo se processaria de modo inconsciente. O eu estaria apoiado no campo global da consciência, subordinado ao si-mesmo, ou seja, a personalidade global não pode ser captada em sua totalidade. 
Descreve ainda Jung oito tipos psicológicos, resultantes da combinação das funções de adaptação: sensação, sentimento, pensamento, intuição e os dois movimentos básicos da energia psíquica, a introversão e a extroversão. Na dependência da vivência da função inferior, entre outros aspectos, estaria a vida de um indivíduo fadada a ser cheia de êxitos ou de estados depressivos, impedidores da realização das potencialidades da personalidade. O amplo resultado do processo de individuação seria numa combinação das quatro funções, que possibilitaria uma concepção equilibrada e boa do mundo.
Encontramos também em Reich (1975) a formulação de que o caráter é constituído pelas atitudes habituais de uma pessoa e de seu padrão consistente de respostas para várias situações, incluindo seus valores conscientes, estilo de comportamento, atitudes físicas, tais como postura, aparência, hábitos e movimentação do corpo. Este autor faz referência ao caráter genital e ao caráter neurótico, sendo o primeiro regido pelo princípio da auto-regulagem, sem as inibições dos princípios morais, podendo abandonar-se livremente  ao fluxo da energia biológica, descarregando adequadamente a excitação sexual reprimida por meio de movimentos corporais agradáveis, ou seja, um indivíduo autoconfiante, que, apesar de Reich não referir-se ao termo, tem uma auto-estima elevada, é consciente e conhecedor do mundo que o rodeia.
Perls (1977), por sua vez, salienta que a pessoa deve ser vista como um todo, de maneira holística, não havendo nos seres humanos diferenças entre a atividade física, aquilo que se passa na esfera do corpo, e a atividade mental, pois nossos corpos seriam manifestações diretas de quem somos. Concebe o homem como parte da natureza, um evento biológico, assim como a sociedade. Apesar de não referir-se à auto-estima de uma forma direta, postula que “cada noção abstrata é um processo, tanto quanto a visualização de um objeto. Atividade deliberada, autocontrole, consciência, são funções sociais e ao mesmo tempo, biológicas. A reintegração só pode ter sucesso se toda atividade humana, tanto deliberada quanto espontânea, pensamentos e instintos for considerada e tratada como um processo biológico”(p.79).
Existe margem para  se pensar, através de seus pressupostos gerais, particularmente a noção de linguagem de figura e fundo do organismos, que a neurose e a redução da auto-estima são resultados de situações inacabadas, onde a gesltalt não teria se completado. Caso tal linguagem fosse escutada, a pessoa passaria a agir de acordo com um meio confiável de orientação, restaurando o equilíbrio da personalidade e arquitentando o caminho para um desenvolvimento produtivo, onde as idéias de aceitação e rejeição estariam ligadas ao  padrão de orientação, à necessidade de ser aceito e ao medo de ser rejeitado pelo mundo.
Em Skinner (apud Ferster, Culberstson & Perrot Boren) o papel do corpo estaria exclusivamente em dados observáveis e teria importância fundamental, pois as pessoas expressam comportamentos, praticam ações corporais que revelam seus sentimentos, sua maneira de ser.
Seguindo esta linha de abordagem, Lewinsohn,  em meados de 1900 (apud Eber, Loosen & Nurcombe), assinala que um reforço positivo inadequado poderia levar a um ciclo indefinido e constante de baixa auto-estima e aumento do isolamento e desesperança.
Beck (1976), baseado em seu modelo cognitivo, observa que na depressão existe uma interpretação equivocada dos acontecimentos da vida, envolvendo negatividades do autoconceito, da interpretação da experiência e da perspectiva de futuro. Mais precisamente, pressupõe uma auto-estima rebaixada em praticamente todos os sentidos, resultado de uma interpretação errônea dos acontecimentos em que a pessoa se viu envolvida, determinando assim, sua resposta futura.
Na psiquiatria moderna (Ebert, Loosen & Nurcombe, 2002) encontramos a auto-estima correlacionada principalmente aos transtornos do humor, explicados, por seu lado, por múltiplos fatores etiológicos. As hipóteses biológicas apontam, entre fatores glandulares, os neurotransmissores, especialmente a norepinefrina, a serotonina e dopamina como responsáveis por tais transtornos, encontradas freqüentemente no transtorno depressivo maior, já que inúmeros antidepressivos agiriam aumentando as concentrações dos neurotransmissores nos locais dos receptores pós-sinápticos, inibindo a sua recaptação pela fenda sináptica. Como se nota, pelos mecanismos de ação dos antidepressivos nos transtornos do humor, a auto-estima poderia ser aumentada por uma ação neurofisiológica.
Nas Escalas utilizadas para avaliação de humor e transtornos afetivos (Gorenstein, Andrade & Zuardi, 1999), não encontramos curiosamente, em nenhuma delas, um item específico para a avaliação da auto-estima. Em quase todas, porém, nos deparamos com questões  a ela pertinentes, o que se deduz que a auto-estima é avaliada como uma categoria difusa,  indireta, no conjunto geral das Escalas.   
Somos levados a deduzir que o desenvolvimento de um sentimento de auto-estima adequado é considerado saudável; ele é necessário à vivência de experiências internas e externas que auxiliam a pessoa positivamente em sua auto-avaliação. Se, por exemplo, tivermos um descontentamento com a forma de nosso corpo, ou com nossos hábitos, estaremos, sem ter consciência de nossas ações, influenciando outros com a nossa atitude, favorecendo assim a criação de círculo vicioso, em que o não se gostar generaliza-se em sentimentos de rejeição. Ou seja, se a nossa auto-estima estiver para baixo, olharemos o mundo e as pessoas de forma negativa, e dessa forma pensaremos que estamos sendo olhados, em um exemplo claro do mecanismo de projeção.
Esse  fato nos leva a considerar que mesmo se tratando de uma auto-estima determinada por um desequilíbrio dos neurotransmissores, o mecanismo que veicula os sentimentos, os sentidos das ações e da ação psíquica geral, são estritamente psicológicos.
No Brasil, Herrmann (2001) não aborda especificamente a auto-estima, mas contextualizando uma análise social, tendo como instrumentos a Teoria dos Campos, procura percorrer os caminhos de como o brasileiro possui uma auto-representação, enquanto povo, que poderia ser qualificada de baixa estima. Para entendermos um pouco essa investigação realizada por Herrmann, seria interessante entrarmos e nos determos no seu conceito de representação.
As representações ao mesmo tempo em que fazem parte constituem o homem enquanto ser cultural. Imaginemos uma superfície com dois lados, um côncavo, voltado para dentro, representando a identidade e outro, convexo, voltado para fora, representando, por sua vez, a realidade. Elas possuem origem e finalidade e são mantidas por uma função psíquica pré-consciente, denominada Crença, que torna as representações tão concretas quanto os homens que as constroem e as defendem. Ambas as superfícies estariam em constante neoformação e seriam construídas com fins defensivos, um aparato especial que destaca o homem e o diferencia do real, do reino do contágio, isto é, do estado em que os limites eu-outro, sujeito-objeto fundem-se e todo sistema de referência de uma pessoa ou de uma coletividade se perde numa indiferenciação extrema.
O desejo seria assim a parte seqüestrada e diferenciada do real que, por ter sido destacada e apartada do mesmo, tenta a ele retornar e a ele se dirige, desenhando o sujeito, revestindo-o de múltiplas vestes, dando-lhe identidade, produzindo sentido. As falhas, portanto, nesse processo de formação da superfície representacional, poderiam propiciar ao sujeito estados confusionais, perdendo sua principal função, a de defesa do reino das coisas.
Quando a função defensiva das representações, isto é, a crença torna-se abalada, escapa o sentido de realidade que antes o sujeito possuía. A identidade, por seu lado, também fica estremecida, e  a sua correspondente noção de individualidade é posta em xeque, ameaçada.  O sujeito percebe o risco da indiferenciação, do mergulho no estrato humano de onde emergiu, esse estado  podemos hoje chamar de loucura.
Herrmann (2001) trata a fragilidade da crença denominando-a de fé, um esforço extra que é demandado por parte do indivíduo para tentar manter suas representações, tanto a identidade quanto a realidade. São, então, as superfícies representacionais que garantem a pessoa viver dentro de certa lógica, de certos parâmetros para se guiar na vida, mesmo quando as representações se restringem às linhas teóricas da psicologia ou às tendências políticas e outras tantas ramificações constituintes do universo humano: nações inteiras, credos, raças.
Não somos diferentes de outros seres humanos. Talvez sejamos, embora cada vez menos, um tanto que distintos em nossa superfície representacional. É o conjunto das nossas representações, que subscreve o desejo de um povo, que caracteriza sua realidade, que parece abalados em sua função especialmente a partir de fora, com interpretações do que não somos que nos propiciam sentimentos de desvalia, de sentimentos que poderiam enquadar-se na categoria  baixa estima. 
São muitos os fatores, imaginários ou reais, que afetam a auto-estima de uma pessoa, como podemos inferir a  partir das teorias psicológicas que relacionam aspéctos psicológicos, biológicos e sociais. Contudo, claro está que gozar de uma boa saúde, ter uma aparência que faça a pessoa sentir-se bem, podem contribuir de uma maneira decisiva para uma auto-avaliação mais alegre e positiva de si mesmo e, com isto, para um repertório ampliado de sentimentos de autoconfiança nos relacionamentos sociais, amorosos e na vida profissional.
As teorias psicológicas divergem entre si, com certeza, mas não deixam de ter uma qualidade de abstração, de hipótese do que se passa com o psiquismo.  Os psicólogos não precisam se sentir desconfortável com as descobertas da neurociência, pois os mecanismos que veiculam as doenças têm origem na alma humana, que não se deixa reduzir à interações fisiológicas ou simplesmente determinar pelas combinações de proteínas.
Situamo-nos em outro campo, que não é possível ser reduzido. O objeto da psicologia,  não importa qual a preferência teórica, situa-se num recorte do real diferente dos de outras ciências. Nossa epistemologia é produto de uma relação com objetos que se pauta por métodos, por caminhos bem particulares de investigação.
Para nossos pacientes não se desaconselha a procura de meios adequados, as psicoterapias, por exemplo, que possam auxiliar na auto-avaliação. Além de ser uma medida saudável, talvez seja esta a pedra de toque, um passo importante para também sentirem-se admirados e estimados pelas pessoas que estão à sua volta, modificando a forma como se concebem e como se relacionam com as propriedades que lhes são imanentes.
Afinal de contas, a sensação de sentimentos prazerosos de nós mesmos não pode ser algo delegado a um segundo plano, ou a uma ilusão apenas de superfície, já que só temos uma única vida e vivê-la bem e em sua plenitude é o que nos resta.

ConclusãoPode-se considerar, portanto,  que a auto-estima está relacionada a muitos fatores: psicológicos, biológicos e sociais. O fato de não termos uma avaliação positiva de nós mesmos, de não nos gostarmos leva e é resultado de uma auto-estima rebaixada. Se tomarmos providências para melhorar nossa auto-imagem, procurando estar em sintonia com os nossos ideais, poderemos influir decisivamente de maneira positiva na nossa concepção de mundo, em nossa auto-avaliação, em uma auto-estima adequada e necessária para os dias de hoje. Afinal, o narcisismo nem sempre é patológico, especialmente quando o corpo, possibilidade para todas as enfermidades, necessita de uma atitude que possa espelhar, mesmo através da dor, a força da pulsão de vida.
A auto-estima, um assunto de que muito se fala, mas sobre o qual atualmente pouco ou quase nada se escreve, parece ter sido relegada aos manuais de auto-ajuda que se difundiram espantosamente no final do século passado. A tentativa de resgatar o conceito de auto-estima, mesmo através de um pequeno ensaio pautado em uma breve revisão teórica, talvez possa ser um passo inicial para recuperarmos conceitos que foram açambarcados de nossa ciência, que a cada dia, como presenciamos muitas vezes em nossa vivência na instituição hospitalar, está indefesa e abalada, indiferenciada das concepções de manuais, muito mais próximos da banalidade e da popularidade imediata, que não podem ser, de modo algum, confundidas com as de uma ciência moderna que está sendo construída, como uma das valiosas conquistas do espírito empreendedor da humanidade. Desse legado, não podemos abrir mão.
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Publicado em 04/07/2010 14:08:00

Cláudio Garcia Capitão - Psicólogo, especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Hospitalar, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Doutor pela UNICAMP, com Pós-Doutorado em Psicologia Clínica Pela PUC-SP. É Professor dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e Psicólogo do I.I.Emílio Ribas.



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