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sábado, 17 de maio de 2008

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: SOBRE APRENDER E ENSINAR CONCEITOS



EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
SOBRE APRENDER E ENSINAR CONCEITOS
Zélia Granja Porto – UFPE
Rosângela Tenório de Carvalho - UFPE
Introdução
10.720... Esta foi a resposta dada por um aluno da 8a série de uma escola do Recife ao
resolver o problema da quantidade de peças produzidas por uma máquina em 4,5 dias, a
670 peças por dia de 8 horas. O estudante respondeu: "670x4 (referindo-se aos 4 dias) dá
2.680; vezes 4 (referindo-se às 4 horas correspondentes à metade de um dia de 8 horas) dá
10.720". (O procedimento correto seria: 670x4,5). (Ceci, S., Schliemann, A., Porto, Z,
Bown, M., Nunes, S. E Porres, V., 1993).
Apesar de ter sua resposta contestada, o estudante confirma o resultado justificando" que o
trabalho está bastante adiantado" O estudante resolveu o problema por multiplicações
sucessivas. Embora não seguindo o procedimento escolar, a resposta do problema seria
aceitável, caso a representação numérica decimal fosse adequada. O estudante registra
horas inteiras como se fossem décimos de dias. Falta-lhe a compreensão de que as
operações matemáticas dos problemas têm como referência uma única unidade de medida -
"dias".
O desempenho algumas vezes desconcertante dos estudantes na resolução de problemas
matemáticos remete-nos a questões que vão além da complexidade inerente ao sistema de
representação dos números. Por exemplo, a dificuldade de compreender problemas
matemáticos reflete também práticas escolares que priorizam a manipulação de símbolos
desvinculados das quantidades que representam, através da memorização de regras e
algorítmos que limitam o acesso dos estudantes ao significado dos símbolos e a sua relação
com as situações nas quais são usados. Tais práticas assumem uma dicotomia entre
conhecer e fazer, e o conhecimento independente das situações nas quais é construído e
usado.
Sabemos que quando se aprende de uma forma puramente memorística o que se pode ser
capaz de fazer é representar ou utilizar mecanicamente o que se está fazendo ou dizendo. A
aprendizagem significativa de um conteúdo qualquer implica inevitavelmente em sua
memorização compreensiva ou armazenamento numa rede ampla de significados.
Partimos da concepção de que compreender é construir significados. Em contraste com a
definição clássica de significado como produto puramente cognitivo, decorrente de relações
abstratas que os indivíduos constroem entre os símbolos e seus referentes, concebemos que
os significados são gerados a partir das relações entre mente, ambiente sócio cultural e
atividade.
Desta forma, os significados não estão nas relações entre sujeito e objeto, mas são
mediados por argumentações e representações matemáticas e pelas interações sociais.
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Mediante tais considerações alguns princípios centrais à teoria da atividade orientada para
objetivos (Vygotsky, 1988; Leontiev, 1972; Saxe, 1991) deveriam ser retomados uma vez
que dão suporte à visão de compreensão matemática que ora discutimos. Tais princípios
são: (1) o conhecimento é algo produzido e apropriado através da participação dos
indivíduos em práticas sociais e culturais; (2) os conhecimentos se desenvolvem a partir de
um conjunto de conceitos interdependentes; e (3) compreender é construir significados
através de ações mediadas por interações sociais e pelos materiais e artefatos culturais
(Porto, 1995).
O conhecimento se dá através da ação/reflexão que os indivíduos exercem sobre a natureza
e ambiente sócio-cultural. Nesta visão, a mente, o ambiente sócio-cultural e material
relacionam-se reciprocamente. Desta forma, o conhecimento não pode ser visto como uma
atividade isolada de seus contextos de emergência.
Considerando a interdependência dos conceitos, compreendemos que o conhecimento
matemático é organizado em dois campos conceituais definidos como um conjunto de
conhecimentos que abrangem tipos de conceitos diferentes mas que interagem entre si. No
campo das estruturas aditivas estariam as noções aritméticas de adição e subtração e no
campo das estruturas multiplicativas estariam os números racionais, razão, proporção,
espaço vetorial, etc. (Vergnaud, 1983).
Ainda, segundo o autor, o processo de desenvolvimento desses campos conceituais se dá
através das interrelações entre as situações problema, conceitos, procedimentos,
representações simbólicas e operações de pensamento.
A compreensão do princípio Vygotskiano de que todas as funções psicológicas superiores
têm sua origem nas relações sociais e interacionais exige entender o desenvolvimento e sua
vinculação com a aprendizagem e consequentemente o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal. Este, entendido como a diferença entre o nível de
desenvolvimento de funções já estabelecidas e o de funções em emergência. Este espaço
parece-nos de particular importância na medida em que abre novas possibilidades para que
o professor ensine e o aluno aprenda e construa conhecimentos. É um espaço de atuação
pedagógica por excelência.
O que vai tornando-se claro para nós é que o uso de materiais concretos não garante a
eficácia da resolução de problemas e a aprendizagem de conceitos. É necessário haver uma
intencionalidade didática para o desenvolvimento de um determinado conceito (Ausubel,
1983; Meira, 1991; Tompson, 1992 e Porto, 1995). Tais considerações sugerem que a
natureza das interações que os sujeitos constroem numa determinada situação é
fundamental para a aprendizagem compreensiva.
Outros fatores agem como mediadores entre o ensino e os resultados da aprendizagem: o
conhecimento prévio, a percepção que o aluno tem da escola, do professor e das atuações;
as suas expectativas perante o ensino; as suas motivações, crenças e atitudes; as estratégias
que é capaz de utilizar, entre outros, mas, sobretudo, o sentido que atribui à própria
atividade de aprendizagem
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Considerando a escola enquanto espaço de ensino e aprendizagem e desenvolvimento
cultural dos conhecimentos socialmente construídos e culturalmente transmitidos,
acreditamos que a mesma tenha um papel fundamental na sistematização dos
conhecimentos matemáticos, com compreensão. Portanto, cabe ao professor propor
situações didáticas que tornem os conhecimentos efetivamente assimiláveis e efetivamente
transmissíveis, permitindo aos alunos o uso competente dos conceitos matemáticos
aprendidos na escola.
Instrução escolar e aprendizagem do conceito de Números Decimais na EJA
Reflexões sobre o ensino na Educação de Jovens e Adultos- EJA em situações de
capacitação, seminários, eventos científicos diversos, têm confirmado a importância do
ensino da Matemática na EJA ao tempo em que indicam preocupação com o descompasso
entre esse reconhecimento e os investimentos em estudos que contribuam para qualificação
do ensino nesta área. Segundo Jóia (1987), a pesquisa sobre a alfabetização matemática na
EJA desenvolvida pelo CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação) em
1990, identificou poucas teses de mestrado na área e alguns poucos estudos isolados. Cita
como referência desses estudos as pesquisas desenvolvidas pela área de psicologia
cognitiva da UFPE, a partir de 1982.
Essas últimas, trazem ao debate social, acadêmico e educacional a importância dos
conhecimentos matemáticos construídos no mundo do trabalho por crianças, jovens e
adultos trabalhadores. Revelam não só performances interessantes de trabalhadores
(Schliemann, 1988) no enfrentamento de situações que envolvem o conhecimento
matemático, mas, particularmente os limites desses conhecimentos para lidar com os
algoritmos construídos cientificamente. Na verdade, tais estudos - pesquisas são de grande
valia porque respondem às questões colocadas a respeito da aprendizagem da matemática
no cotidiano de suas culturas como também problematizam o ensino da matemática nas
escolas.
Na última década no contexto da América Latina, estudos sobre o domínio dos
conhecimentos matemáticos na EJA têm priorizado a análise dos aspectos culturais do
conhecimento dessa área e em particular as situações de ensino- aprendizagens no cotidiano
da sala de aula. Dentre esses estudos podemos destacar: Um Novo Enfoque para o Saber
Matemático do Professor (Bertoni); Conhecimento Matemático da Prática e o Escolar da
Perspectiva da sala de aula (Carvalho); Os Saberes Prévios de Jovens e Adultos (Mariño);
Um Currículo de Matemática para Educação Básica de Jovens e Adultos (Ávila); Algumas
Proposições sobre a Didática para o Ensino das Matemáticas de Jovens e Adultos
(Cornejo). De fato tais estudos, em sua maioria, buscam uma aproximação com o que se
passa no interior da sala de aula.
Em consonância com a perspectiva de prover a EJA de uma ação pedagógica fundada na
pesquisa, voltada para a análise de modalidades de ensino articulada a aquisição de
conceitos matemáticos, (Brousseau, 1984) a pesquisa que embasou o presente trabalho
elegeu como temática de investigação as formas de conhecer e representar, reveladas pelos
alunos/as, respeito dos números decimais, associadas às formas de ensinar de um
professor da EJA.
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Considera-se que o conhecimento matemático dos números decimais é extremamente
poderoso e útil na medida em que amplia as capacidades construídas pelos indivíduos, no
mundo do trabalho, quando lidam com situações de contagem, medição e cálculo, nas quais
os números inteiros são insuficientes.
Devido à complexidade desse domínio matemático, sua instrução vem sendo iniciada na 3a
série, prosseguindo na 4a e 5a séries do ensino fundamental. As dificuldades que muitos/as
alunos/as enfrentam no seu aprendizado têm despertado o interesse de pesquisadores que
centram as investigações em questões relativas à computação, ordenação e problemas com
números decimais (Bell, Fischer & Greer, 1984; Bell, Swan & Taylor, 1981; Hiebert &
Wearne, 1985, 1988; Thompson, 1992; Sackur-Grisvard & Leonard, 1985; Resnick et al.,
1988).
Esses estudos têm chegado às mesmas conclusões: falta aos alunos/as a compreensão do
conceito de número decimal em virtude de a instrução escolar enfatizar a memorização de
regras que os/as mesmos/as aplicam inapropriadamente.
Em estudo desenvolvido por Porto (1995) foram criadas tarefas que exploraram em
detalhes a competência de estudantes de 5a série na resolução de problemas de comparação
e conversão de números decimais, durante atividades regulares na escola e entrevistas
clínicas.
Os resultados desse trabalho demonstraram que coordenar os dois sistemas
representacionais, numérico e de medidas, exige relações matemáticas em função da
natureza das diferentes magnitudes existentes. Então, a compreensão adequada para o
domínio dos decimais no campo das medidas requer:
1. reconhecer uma relação entre 1 e 1/10, como uma característica do sistema de
numeração decimal;
2. reconhecer uma relação entre, e.g., 1 hora e 60 minutos, como uma característica do
sistema de medida;
3. reconhecer uma relação entre, e.g., 1 hora e 1/10 hora como uma característica de
coordenação entre o sistema numérica e de medida.
As análises das entrevistas e das observações de sala de aula investigadas por Porto
demonstraram que:
· o discurso matemático desenvolvido na sala de aula foi restrito a situações de
computação e manipulação simbólica dos números decimais, em detrimento de
situações que incorporassem os diferentes sistemas de medição;
· os problemas que envolviam medidas temporais foram predominantemente resolvidos a
partir da interpretação dos decimais como se fossem inteiros;
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· os estudantes argumentavam suas respostas revelando compreensão de que a unidade
permanece a mesma quando um determinado "todo" é partido. Desta forma havia
compreensão da relação entre as partes inteira e decimal do número decimal, situando-o
no campo dos quocientes;
· os problemas que envolviam medidas métricas foram resolvidos com sucesso pela
aplicação da regra de manipulação da vírgula com apoio de escalas mnemônicas,
ensinadas em sala de aula;
· os problemas que envolviam medidas volumétricas com a presença de objetos físicos
foram resolvidos predominantemente a partir de pistas fornecidas pelo experimentador,
revelando dificuldades de trabalhar este conteúdo através dos materiais concretos
apresentados;
As análises desenvolvidas nesse estudo sugerem alternativas para a Educação Matemática,
nos diversos níveis e modalidades de ensino, particularmente ao ensino dos decimais que
deverá centrar-se em situações que envolvam os diversos sistemas de medidas.
Os dados de Porto (1995) salientam a necessidade de investigar mais detalhadamente as
concepções e dificuldades das crianças, dos jovens e adultos acerca dos números decimais,
particularmente ao lidar com inteiros e fracionários em situações de conversão de medidas.
A partir das considerações apresentados acima, algumas reflexões e indagações são
levantadas:
· estariam os estudantes tratando os decimais como se fossem inteiros?
· que concepções geradas a partir dos números inteiros estariam subjacentes à utilização
dos números decimais?
· como as situações de ensino estariam (des) favorecendo a apropriação desse domínío
matemático em jovens e adultos/as?
· que influência teria os conhecimentos matemáticos prévios de alunos/as jovens e
adultos/as na situação de aprendizagem de números decimais?
O estudo - Microanálise Interpretativa
O estudo pesquisa que subsidia o presente trabalho envolveu 06 duplas de alunos/as de uma
turma de Educação de Jovens e Adultos do Ensino Fundamental (4a e 5a séries) na idade
ente 18 a 50 anos de um Centro de Estudos Supletivo do sistema público de ensino da
cidade do Recife.
Do ponto de vista procedimental foram realizadas: (1) observações de sala de aula (10
horas) abrangendo situações de ensino das propriedades e operações fundamentais dos
números decimais tentando apreender os mecanismos de mediação na transposição didática
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deste saber matemático para situações de ensino; (2) sessões de resolução de situações -
problema de comparação e conversão de medidas métricas e temporais e de computação de
cálculos com números sem referentes explícitos; e (3) estudo piloto das tarefas para
adequação à metodologia proposta.
A pesquisa em tela se propôs a desenvolver um processo de microanálise e interpretação
tendo como unidade básica de análise a atividade envolvendo a descrição detalhada das
ações de interação aluno-aluno e professor-alunos, na atividade.
Neste sentido a análise dos dados foi realizada de forma detalhada e interpretativa visando
explicar as estratégias específicas que emergiriam na atividade dos estudantes em contextos
distintos: sala de aula e sessões de resolução de problemas.
A descrição e interpretação das ações dos estudantes e professor na atividade de sala de
aula foi recortada em episódios que contêm seqüências de eventos na forma de ações, que
permitiram identificar a emergência do discurso característico da sala de aula.
Essa microanálise tem como suporte o modelo analítico desenvolvido por Saxe (1991), a
partir da perspectiva teórica de atividade orientada para objetivos (Leontiev, 1972), que
enfatiza as interrelações entre práticas culturais e processos de desenvolvimento cognitivo.
Segundo Saxe, objetivos são um fenômeno emergente quando da participação do sujeito em
práticas culturais. Quatro parâmteros estariam relacionados ao surgimento de objetivos:
1. a estrutura da atividade;
2. as interações sociais, nas quais objetivos se modificam e assumem determinandas
formas (através de negociação entre os participantes do processo);
3. símbolos específicos e artefatos culturais;
4. conhecimentos anteriores que os indivíduos trazem para práticas específicas.
Várias razões nos levaram a optar por este modelo de análise:
Os parâmetros descritos por Saxe são consistentes com os objetivos desta pesquisa,
permitirão analisar a emergência e transformação de significados para os números
decimais, em situação de sala de aula.
A sala de aula constitui uma prática cultural e como tal é uma atividade estruturada que
envolve a emergência de convenções, artefatos culturais e materiais simbólicos.
Como atividade estruturada, a sala de aula envolve "participantes" - professor, e alunos. Os
estudantes e o professor são agentes da atividade, e entre estes ocorrem interações que
podem modificar os objetivos que emergem na atividade;
Os conhecimentos são interdependentes. Assim, ao participar em atividades práticas, os
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conhecimentos e experiências anteriores emergem, influenciando as ações dos sujeitos em
suas atividades.
Em síntese, foram analisados como os objetivos que emergem na atividade contribuem para
a constituição do significado de conceitos matemáticos numa situação regular de sala de
aula.
Os discursos de sala de aula - enunciados e sileciamentos:
..."Olha a virgula!
Conta três zeros e bota a virgula! " ...
Os desafios para os professores promoverem aprendizagens significativas são enormes. De
fato, romper com o modelo tradicional de ensino "memorístico" requer um alto grau de
competência pedagógica. Impõe, sobretudo, compreender que o "desenvolvimento de
significados e da compreensão vem através da negociação, e esse processo é
eminentemente social" (Schoenfeld, 1991).
Esse entendimento indica que os significados matemáticos são construídos nas relações
reais entre os indivíduos a partir de sua participação em práticas sociais e culturais
(Leontiev,1988). Meira (1991) argumenta que a compreensão matemática resulta do
engajamento dos indivíduos em práticas específicas e é um processo que envolve a
negociação de significados em contextos de atividade. Os significados matemáticos,
portanto, não são uma réplica "mental" do que é aprendido ou apreendido dos objetos que
estão no mundo.
Nessa perspectiva, três dimensões merecem ser consideradas para a análise da
complexidade do ato pedagógico no ensino de conceitos matemáticos, em particular, de
números decimais:
1. a primeira, um saber matemático específico e socialmente construído: os sistemas de
representação numérico e de medição organizados a partir de princípios e normas
matemáticas determinadas e transmitidas culturalmente. Enquanto sistemas numéricos
se organizam a partir de agrupamentos diferenciados: unidades, dezenas, centenas,
unidades de milhar, para os inteiros e décimos, centésimos, milésimos para os decimais.
Os sistemas de medição têm sua organização a partir de unidades de medida: metro,
litro, quilo, hora, ano, e suas respectivas sub-unidades. Assim, o conceito de unidade,
fundamental para a compreensão de decimais, assume natureza diversa: numérica e de
medição;
2. a segunda dimensão, estreitamente vinculada a anterior, identifica como o professor faz
a transposição desse conhecimento para situações didáticas na sala de aula. Ou seja,
como o professor reorganiza ou reestrutura os saberes a partir das necessidades de
aprendizagens características dos indivíduos e como os vincula ao seu cotidiano;
3. a terceira dimensão abrange a compreensão que os alunos desenvolvem em situações
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didáticas específicas. Em partircular, as pessoas jovens e adultas têm experiências
acumuladas ao longo de sua existência e, portanto, pensam, têm motivações,
competências, saberes e atitudes particulares.
Os episódios a seguir, parte do corpus da pesquisa citada anteriormente, revelam um
distanciamento de uma prática pedagógica voltada para a aprendizagem significativa de
conceitos matemáticos. O contrato didático que o professor estabelece contempla apenas
uma das partes, o professor, como aquele que detém o conhecimento e por assim ser
entendido, desconsidera situações de interação, e principalmente as interações entre os
alunos, as representações que estes trazem para a situação. Desta forma, reduz o
conhecimento a apenas uma das possíveis representações deste conceito. Os alunos
enquanto sujeitos da ação não se engajam na atividade.
O episódio 1, transcrito a seguir, ilustra como o discurso do professor reflete a importância
dada a esse conceito. Fica, entretanto, restrito à sintaxe do conceito.
Episódio 1
Protocolo Comentários
Prof. Agora vamos partir da fração decimal
para transformar em números decimais;
2/10 = 0,2
Por que?
Porque ando uma casa para a esquerda,
coloco a vírgula e leio igual a fração
decimal.
... agora vou transformar 25/1000 em
número decimal... Olha a vírgula! Conta
três zeros e bota a vírgula.
Prof.: Agora... 395/100. A vírgula vai para
onde, para se transformar em número
decimal?
Aluno: Dois, por causa da quantidade de
zeros.
Prof.: Isso! Por causa dos zeros.
Se eu andasse com a vírgula para a direita,
vai ficar o que?
Agora, três virgula cinquenta e seis sobre
dez. Se só tenho um zero dou uma entrada
para a esquerda: três vírgula cinquenta e
seis.
Prof. Agora 95,03/1000.
E agora como fica? Quantos zeros?
Aluna: E essa vírgula?....
Prof:...... (silêncio)
Prof: Três casas para a esquerda.
O professor registra no quadro 2/10=0,2
O professor registra no quadro
2/51000=0,025
O professor não interage com a aluna e
volta-se para toda a classe.
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Esse diálogo confirma a convicção do professor sobre a relevância da vírgula como
marcador de quantidade para a aprendizagem de número decimais. O modelo teórico
utilizado por esse professor pauta-se na memorização de regras e procedimentos, e na
concepção de ensino de número decimal reduzida a informações e exercitação de técnicas.
Esse modelo preenche o espaço que deveria ser reservado ao aluno para: resolução de
problemas, interpretação de situações, busca de estratégias coletivas de solução, discussão
de pontos de vistas e diferentes formas de solução.
Conforme foi citado anteriormente neste trabalho a compreensão adequada dos números
decimais requer a coordenação de dois sistemas representacionais: o numeríco e o de
medidas. Segundo Carraher (1993), a dimensão numérica é importante, mas não se pode
perder de vista a dimensão das quantidades, sobretudo quando se trata da compreensão dos
racionais. A coordenação desses sistemas gera complexas relações matemáticas em virtude
das diferentes bases de partição das unidades de medidas dos sistemas de medição, quer
duodecimal, sexagesimal ou decimal.
Episódio 2
Protocolo Comentários
Prof. : Depois que vocês já sabem mais ou
menos o que é um número decimal vamos
saber o que é operações com números
decimais. Os repetentes já sabem como
fazer: basta colocar vírgula abaixo de
vírgula. Como vou arrumar? 0,3+0,005+3,2
Vírgula sempre abaixo de vírgula.
...Agora outro exemplo.
À medida em que verbaliza o professor
registra, no quadro, as parcelas segundo o
algorítmo.
O professor dá outros exemplos para os
alunos efetuarem as operações. Sai da sala e
volta um tempo depois para fazer a correção
no quadro sem, no entanto, considerar as
formas de representações dos alunos.
O episódio 2, pode ser analisado sob dois aspectos: conceitual e didático. No que tange ao
aspecto conceitual, observa-se no discurso do professor, enunciados que reafirmam seu
entendimento de que a regra de manipulação da vírgula se constitui como uma habilidade
suficiente para compreensão do conceito de número decimal. É possível que seu discurso
esteja ancorado na crença de que essa habilidade de manipular virgulas tem funcionado.
Todavia, os resultados de algumas pesquisas demostraram que esta regra funciona apenas
para a aprendizagem de sistemas de medição, com base 10. Desta forma, a aprendizagem
de números decimais não deveria ficar restrita a uma relação numérica decimal (1:10) pois
isto poderá constituir um obstáculo à aprendizagem desse conceito.
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No que se refere ao segundo aspecto, a análise do contrato didático estabelecido por esse
professor, de forma implícita, pressupõe que o papel do professor é transmitir informações
e que o aluno pode “ se virar” sozinho frente ao conhecimento.
Esta concepção se confirma pela postura ausente do professor como mediador das
interações na sala de aula deixando de lado a possibilidade de reflexão acerca dos
obstáculos epistemológicos ocorridos na situação.
Considerações finais
O caminho que a escola tem encontrado para ensinar conceitos matemáticos vem sendo a
manipulação de símbolos desvinculados dos seus referentes. Pesquisas têm mostrado que
este caminho tem levado muitos alunos ao insucesso escolar. Então, estabelecer vínculos
abstratos entre os símbolos e as quantidades que representam, seria um dos objetivos do
ensino de conceitos matemáticos.
Em contraste com esta visão a nossa análise, propôs que a compreensão é socialmente
construída e mediada por representações diversas e interações sociais, e os significados
existem nas relações entre a mente, o ambiente e a atividade.
Considerar estes aspectos no ensino e na aprendizagem de conceitos matemáticos e nos
programas de formação de professores são questões fundamentais.
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