1. INTRODUÇÃO

O brincar é sem dúvida um meio pelo qual os seres humanos e os animais exploram uma variedade de experiências em diferentes situações, para diversos propósitos. Considerem, por exemplo, quando uma pessoa adquire um novo equipamento, tal como uma máquina de lavar – a maioria dos adultos vai dispensar a formalidade de ler o manual de ponta a ponta e preferir “brincar” com os controles e funções. Através deste meio, os indivíduos chegam a um acordo sobre as inovações e se familiarizam com objetos e materiais: nas descrições do brincar infantil isso é frequentemente classificado como um brincar “funcional”. Esta experiência “prática” de uma situação real com um propósito real para o suposto “brincador”, normalmente é seguida pela imediata aprendizagem das facetas da nova máquina, reforçada subsequentemente por uma consulta ao manual e consolidada pela prática.

A semelhança deste processo com uma forma idealizada de aprendizagem para as crianças pequenas é inevitável. Mas será que o brincar é verdadeiramente valorizado por aqueles envolvidos na educação e na criação das crianças pequenas? Com que freqüência o brincar e a escolha dos materiais lúdicos são reservados como uma atividade para depois de as crianças terminarem o “trabalho”, reduzindo assim tanto seu impacto quanto seu efeito sobre o desenvolvimento da criança. Quantas crianças chegam à escola maternal incapazes de envolver-se no brincar, em virtude de uma educação passiva que via o brincar como uma atividade barulhenta, desorganizada e desnecessária?

O brincar em situações educacionais, proporciona não só um meio real de aprendizagem como permite também que adultos perceptivos e competentes aprendam sobre as crianças e suas necessidades. No contexto escolar isso significa professores capazes de compreender onde as crianças “estão” em sua aprendizagem e desenvolvimento geral, o que, por sua vez, dá aos educadores o ponto de partida para promover novas aprendizagens nos domínios cognitivos e afetivos.

Este trabalho não cria mais uma definição de brincar. Em vez disso, tentamos desafiar as concepções daquilo que o brincar pode e deve proporcionar aos jovens aprendizes no contexto escolar. Isso é vital em um clima educacional baseado em temas e em um currículo competitivo que pode relegar o brincar ao último degrau de qualquer escala de importância.

Os adultos precisarão de força, de conhecimento e de argumentos cuidadosamente concebidos sobre a filosofia e a prática do brincar, a fim de manter sua posição vital na educação infantil. A ênfase está nas crianças de quatro a oito anos, cujo brincar é uma parte tão essencial do desenvolvimento e da aprendizagem social e intelectual. As palavras de Kami (1977) parecem resumir perfeitamente este aspecto dentro desta faixa etária. Ele enfatiza, no brincar, a criança opera objetos, estes possuindo significado ela opera com os significados das palavras que substituem o objeto; portanto, no brincar, a palavra se emancipa do objeto.

Muitos adultos valorizam o brincar da boca para fora. Este trabalho embora centrado principalmente nos educadores da infância inicial, tem o objeto de ajudar professores, auxiliares de creche, pais e todos aqueles que influenciam as vidas das crianças e ajudam a perceber como brincar pode ser verdadeiramente utilizado para o desenvolvimento e a aprendizagem durante toda a vida.

2. DESEMARANHANDO O MISTÉRIO DO BRINCAR

Por mais louvável que seja tentar definir o brincar, isso pode sugerir uma abordagem quantificável que, raramente acontece. Embora aceitando quase instintivamente o valor do brincar, é difícil para os professores envolvidos na organização cotidiana da aprendizagem infantil extrair algo com substância pragmática e teórica suficiente sobre o qual basear seus julgamentos e oferecimento de aprendizagem.

Existem amplas evidências desta dificuldade nas escolas de educação infantil e de ensino fundamental onde o “brincar” é frequentemente relegado a atividades, brinquedos e jogos que as crianças podem escolher depois de terminarem seu trabalho.

A dicotomia para os professores é muito real: por um lado, a implicação é de que as crianças aprendem muito pouco sem a direção dos professores, e, por outro, o brincar auto-iniciado pela criança é defendido como proporcionador de um melhor contexto de aprendizagem.

Isso serve para salientar as muitas complexidades do papel do educador infantil. O tempo gasto brincando com as crianças é menor do que, por exemplo, ouvindo a leitura de cada uma, e vice-versa. Também existe a dificuldade, salientada por------- de que os próprios adultos na verdade acham muito insatisfatório e até frustrante brincar com as crianças.

3. PORQUE BRINCAR

A criança pequena que assume o papel da bailarina está experimentando como é adotar o papel de outra pessoa. Ela imita movimentos, maneirismos, gestos, expressões: ela realmente sente como é estar vestida com um tecido armado como o tule, as texturas contrastantes, as propriedades que elas oferecem e as diferentes qualidades e posturas físicas que inspiram.

Através do espelho, ela se examina em uma outra aparência, provavelmente estimulada também por vários fatores como a brilhante cor cereja do tecido e o contraste branco-creme do tule, a forma diferente de seu corpo com esta roupa especial, e como ela “se ajusta” ao quadro apresentando pela imagem no espelho. Ao fazer piruetas está explorando suas próprias capacidades físicas, hesitantes e desajeitadamente, a princípio, mas com uma pose e agilidade que aumentam rapidamente. Ela não está tentando ser aquela bailarina e ainda está firmemente posicionada no mundo da infância, o que fica evidente pela melodia infantil que está cantarolando. Sobre este tipo de brincar, Kami afirma:

“Algumas encenações de papéis são esquemáticas, representando apenas eventos salientes em uma seqüência de ações. A maioria das encenações é claramente criada a partir de conceitos de comportamentos apropriados e muito provavelmente não é uma imitação direta de pessoas”. (1991, 88).

O adulto que rabisca está explorando o meio disponível de maneiras previamente não-descobertas, como uma repetição consciente ou inconsciente de um desenho previamente encontrado ou variações sobre um tema. Isso pode ou não ter um propósito, dependendo do adulto específico e do papel ao qual ele normalmente está associado, tal como o de artista gráfico, pintor amador ou calígrafo. Um aspecto importante é que este tipo de brincar exploratório, que segundo Kishimoto (1994) é uma preliminar do brincar real, só será uma preliminar do brincar se a pessoa fizer caligrafia ou pintar apenas como passatempo.

Poucos negariam que o brincar, em todas as suas formas, tem a vantagem de proporcionar alegria e divertimento. Almeida (2004) chega ao ponto de dizer que o brincar “desenvolve a criatividade, a competência intelectual, a força e a estabilidade emocionais, e sentimentos de alegria e prazer: o hábito de ser feliz”. Inversamente, parece que o brincar pode e ocorre no contexto de resolver conflitos e ansiedades, o que é aparentemente contraditório. Entretanto, considere esta afirmação de Kami (1991), “uma nova experiência, se não for assustadora, provavelmente atrairá primeiro a atenção for investigado é que ele poderá ser tratado mais levemente e ser divertido”.

A estimulação, a variedade, o interesse, a concentração e a motivação são igualmente proporcionados pela situação lúdica. Se acrescentarmos a isso a oportunidade de ser parte de uma experiência que, embora possivelmente exigente, não é ameaçadora, é isenta de constrangimento e permite ao participante uma interação significativa com o meio ambiente, as vantagens do brincar ficam mais aparentes.

Mas o brincar também pode proporcionar uma fuga, às vezes das pressões da realidade, ocasionalmente para aliviar o aborrecimento, e às vezes simplesmente como relaxamento ou como uma oportunidade de solidão muitas vezes negada aos adultos e às crianças no ambiente atarefado do cotidiano. Pois embora as qualidades sociais do brincar sejam as que recebem supremacia quando pensamos sobre o conceito, ele é e deve ser aceito como algo privado e interno para o indivíduo quando esta for a sua escolha. Isso se aplica igualmente às crianças no turbilhão de atividades na escola e em casa.

4. O BRINCAR E A APRENDIZAGEM

O principal problema quando tentamos discutir o brincar e a aprendizagem é que a primeira tarefa difícil, conforme sugerido por Wajskop (1995) é a de distinguir entre o brincar e os comportamentos de brincar. O brincar é, portanto, o processo quanto modo: como as crianças e os adultos consideram certos objetos ou eventos indica se eles estão ou não agindo de maneira lúdica.

Qualquer coisa pode ser realizada de maneira lúdica, seja qual for a “categoria” ou o nível de atividade envolvida, e é possível que adultos e crianças mudem dentro de uma mesma situação, de lúdico para sério, e vice versa. O mais importante é que isso pode, ou não, ficar óbvio para um observador.

Especialmente na escola, segundo Oliveira (2000), é improvável que as crianças consigam se expressar, devido a constrangimentos temporais e interpessoais, de forma tão competente, consistente e aberta como fazem em casa. Os professores encontram outros problemas quando tentam avaliar o que a criança realmente esta aprendendo a partir do comportamento de brincar exibido.

Para Oliveira (2000) dizem também que as crianças ocupadas com uma atividade raramente conseguem participar de conversas intelectualmente desafiadoras, porque sua atenção esta dirigida para a tarefa. Os professores precisam inferir, a partir de suas atitudes externas, concentração, expressões faciais, motivação aparente, e assim por diante, qual esta sendo sua provável aprendizagem; de outra maneira, como eles podem saber que ensino e aprendizagem são necessários. Kishimoto (1994), diz sobre a análise do nosso próprio brincar:

“As escolhas de oportunidade lúdicas que fazemos habitualmente, sem refletir, podem, se refletirmos a respeito, ser psicologicamente informativas sobre nós mesmos e podem sugerir uma série de questões muito interessantes sobre o significado psicológico dessas escolhas”. (1994, 29).

No contexto do presente modelo, precisamos reservar tempo para explorar as necessidades explicitadas pelo brincar, assim como tempo para conversar sobre ele, ampliando a aprendizagem por meio do brincar dirigido. A oportunidade para avaliar as respostas, compreensões e incompreensões da criança se apresenta nos momentos mais relaxados do brincar livre.

A maior aprendizagem está na oportunidade oferecida à criança de aplicar algo da atividade lúdica dirigida a alguma outra situação. Cunha (1994) explica claramente suas idéias em relação a este aspecto quando diz que “o brincar, como uma atividade, está constantemente gerando novas situações. Não se brinca apenas com e dentro de situações antigas”.

No caso das crianças pequenas, as incidências de aprendizagem podem ser muito pequenas, mas são elas que fazem a criança avançar um estágio ou mais na aprendizagem. E são essas aprendizagens que, livres do constrangimento do ensino ou da aprendizagem explícita, podem ser verdadeiramente consideradas como brincar, pois como dizem Pourtois & Desmet (1999, p. 52), “a exploração tende a preceder o domínio, que tende a preceder o brincar, e nem sempre é fácil distingui-los”.

Por meio do brincar livre, exploratório, as crianças aprendem alguma coisa sobre situações, pessoas, atitudes e respostas, materiais, propriedades, texturas, estruturas, atributos visuais, auditivos e cinestésicos. Por meio do brincar dirigido, elas têm uma outra dimensão e uma nova variedade de possibilidades estendendo-se a um relativo domínio dentro daquela área ou atividade.

Por meio do brincar livre subseqüente e ampliado, as crianças provavelmente serão capazes de aumentar, enriquecer e manifestar sua aprendizagem. Quanto mais jovem a criança, mais provável que seja necessário o brincar mais exploratório, mas isso depende do contexto geral e exploratório em suas experiências pré-escolar, em casa ou com companheiros de brincadeiras. Elas então chegam à escola possivelmente com expectativas muito diferentes em relação ao “brincar”.

Qualquer pessoa que já tenha observado ou participado do brincar infantil por certo período de tempo perceberá imediatamente que as crianças nem sempre utilizam uma variedade toa grande de materiais e atividades como frequentemente se sugere. Às vezes elas restringem bastante os recursos, manipulando-os dentro de um estreito intervalo de possibilidades potenciais, e precisam ser estimuladas a usá-los de outras maneiras e para outros propósitos.

5. NECESSIDADES DE APRENDIZAGEM E O PAPEL DO PROFESSOR

As crianças pequenas geralmente apresentam todas estas características e outras, em seu brincar. O brincar, como um processo e modo, proporciona uma ética da aprendizagem em que as necessidades básicas das crianças podem ser satisfeitas. Essas necessidades incluem as oportunidades:

  • De praticar, escolher, preservar, imitar, imaginar, dominar, adquirir competência e confiança;
  • De adquirir novos conhecimentos, habilidades pensamentos e entendimentos coerentes e lógicos;
  • De criar, observar, experimentar, movimentar-se, cooperar, sentir, pensar, memorizar e lembrar;
  • De comunicar, questionar, interagir com os outros e ser parte de uma experiência social mais ampla em que a flexibilidade, a tolerância e a autodisciplina são vitais;
  • De conhecer e valorizar a si mesmo e as próprias forças, e entender as limitações pessoais;
  • De ser ativo dentro de um ambiente seguro que encoraje e consolide o desenvolvimento de normas e valores socais.

O brincar “aberto”, aquele que poderíamos chamar de a verdadeira situação de brincar, apresentar uma esfera de possibilidades para a criança, satisfazendo suas necessidades de aprendizagem e tornando mais clara a sua aprendizagem explícita. Parte da tarefa do professor é proporcionar situações de brincar livre e dirigido que tentem atender às necessidades de aprendizagem das crianças e, neste papel, o professor poderia ser chamado de um iniciador e mediador da aprendizagem.

Entretanto, o papel mais importante do professor é de longe aquele assumido na terceira parte do ciclo do brincar, quando ele deve tentar diagnosticar o que a criança aprendeu – o papel de observador e avaliador. Ele mantém e intensifica esta aprendizagem e estimula o desenvolvimento de um novo ciclo.

Este procedimento aparentemente muito complexo é realizado em muitas salas de aula, atendendo às necessidades das crianças mais jovens em todo o país, em um ou outro nível. O treinamento inicial e prático dos professores precisa assegurar que eles adquiram mais competência nesta área a fim de acompanhar as tendências nacionais e manter o papel vital do brincar no desenvolvimento das crianças.

O que sempre deve ser lembrado, todavia, é que as crianças podem e aprendem de outras maneiras além da lúdica, e frequentemente tem prazer com isso. Um exemplo seria ouvir uma história ou trabalhar ao lado de um adulto que está fazendo alguma coisa. Kishimoto (1990) acha que esse elemento do brincar e aprender mais dirigido para um objetivo é muitas vezes esquecido e inclusive desprezado por muitos professores de educação infantil, mas é assim que as crianças vêm aprendendo há muitos séculos. Ela diz que “por mais detestável que seja a idéia para estes professores, há poucas evidências de que brincar livre com blocos ensine mais à criança do que copiar um modelo dos mesmos”.

6. O BRINCAR SOBRE A LINGUAGEM

A leitura de histórias pode ser uma forma de brincar com palavras e figuras e é uma atividade imediatamente prazerosa para crianças e adultos, além de proporcionar uma rica fonte para a imaginação. Segundo Negrine (1994), os primeiros contatos das crianças com os livros e os materiais impressos são de suprema importância para elas, mas ainda mais importante é como os professores conversam com a criança sobre a leitura e como isso é interpretado por ela.

Ler para as crianças com a entonação e a ênfase apropriadas as ajuda a compreender o significado das palavras, e a experiência do prazer compartilhado torna isso memorável. Reler as histórias é algo que se ajusta bem à espiral do brincar, na medida em que as palavras são intensificadas e exploradas repetidamente, gradualmente, criando significados. As crianças, na abordagem da história, avançam do discurso falado (linguagem interativa) para o discurso do texto (leitura) de forma muito suave, na medida em que a associação com a voz, o tom, a ênfase e as entonações é feita cedo.

Escrever é uma área igualmente vital do desenvolvimento da alfabetização e da aprendizagem sobre a linguagem. No passado pensava-se que as habilidades de escrita tinham um atraso de meses em relação às habilidades de leitura, mas pesquisas recentes mostram que na verdade isso era o efeito de oportunidades adiadas de escrita experimental e não uma capacidade atrasada. Deveria ser tão natural para as crianças “escrever” de forma intencional como ler forma intencional.

7. O BRINCAR E A CRIATIVIDADE

A correlação entre criatividade e resolução de problemas já foi estabelecida quando se considerou a criança como um pensador divergente e lógico. Oliveira (2000, p. 35) afirma: “É no pensamento divergente que encontramos as indicações mais óbvias de criatividade”. Os vínculos existem de várias maneiras e estão bastante inter-relacionados, mas há algumas diferenças.

A criatividade também está situada no domínio cognitivo, mas exerce uma influência mais forte sobre o domínio afetivo, e tem relação com a expressão pessoal e a interpretação de emoções, pensamentos e idéias: é um processo mais importante do que qualquer produto específico para a criança pequena, como poderemos constatar.

Segundo Oliveira (2000, p. 36) “a criatividade é a capacidade de responder emocional e intelectualmente a experiências sensoriais”. Ela também está estreitamente relacionada ao ser “artístico” no sentido mais amplo da palavra. Esta pode ser considerada uma definição bastante arbitrária, mas é uma definição vital para tentarmos examinar um outro aspecto do brincar e da aprendizagem infantil, uma vez que a criatividade tem fortes laços com a educação estética.

A criatividade, então, está extremamente ligada às artes, à linguagem e ao desenvolvimento da representação e do simbolismo. O brincar simbólico também tem relação com a ordem e favorece o desenvolvimento das habilidades de planejamento. Ele eventualmente leva ao início do brincar e dos jogos baseados em regras (Piaget, 1950, p. 62).

“As escolas experimentam e simbolizam o mundo real, físico, por meio do seu brincar e da arte. Em ambos canais de expressão, as experiências passadas são repetidas e revividas. Desta maneira, podemos relacionar o nosso mundo externo ao nosso mundo interno de experiências passadas e conhecimento, organização mental e poder interpretativo. Podemos vincular experiências antigas e desta maneira as nossas mentes absorvem novas informações e se expandem”.

A palavra “criativo” é usada na escola de modo muito amplo e quase como uma terminologia geral. “Redação criativa” e “dança criativa” são de uso geral, mas têm uma interpretação tão ampla que possuem pouco significado real. A redação criativa, por exemplo, abrange uma multiplicidade de estilos de redação, da redação funcional sobre ir tomar chá na vovó, passando pela redação transacional sobre fazer um experimento simples, à redação poética sobre a enorme aranha negra que Joanne encontrou a caminho da escola. A dança criativa, igualmente, inclui programas de rádio que dirigem fortemente os movimentos das crianças pequenas, através de danças populares e folclóricas, para citar apenas algumas.

Contudo, devemos lembrar que a arte, em si mesma, é uma forma de comunicação sem palavras, como pode confirmar qualquer pessoa que já viu um mínimo em ação ou contemplou um quadro esplêndido. As crianças e os adultos que, por alguma razão, têm dificuldade para se comunicar por meio da linguagem, muitas vezes podem expressar vividamente em outros meios, e obter satisfação e auto-estima ao ser capaz de fazer isso.

Aqueles que acham que não sabem pintar, muitas vezes têm uma grande capacidade expressiva de movimento corporal; os que são desajeitados em atividades motoras amplas podem ter na música e no ritmo uma fonte de inspiração, e a encenação do papel de outra pessoa no teatro ou através de marionetes podem inspirar a comunicação não-verbal em outros.

Assim, tanto nas formas de arte, como em diferentes formas do brincar, existe uma riqueza de oportunidades criativas para que adultos e crianças expressem seu pensamento e apreciem o talento de outros. Todos nós recebemos a “arte”, assim como a criamos, e a maioria de nós sabe do que gosta por causa da nossa personalidade, nossas experiências, nosso conhecimento e nossas capacidades pessoais, ou sabe se expressar de formas comunicáveis aos outros.

As crianças apresentam o mundo como o vêem e como podem representá-lo em um determinado momento de seu desenvolvimento: a beleza está lá se estivermos preparados para vê-la, pois uma das dificuldades da arte é ela estar crivada de valores que adquirimos através de nossa cultura e educação.

8. UM CURRÍCULO PARA A INFÂNCIA INICIAL

O currículo tem relação com intenções conteúdos, ações e resultados. Mas neste caso, o mais importante é que ele tem ligação com crianças pequenas e a variedade e riqueza que elas trazem consigo como um ponto de partida. É reconhecido numa ampla variedade de relatórios, que o currículo das séries iniciais que opera a partir de uma abordagem baseada em tópicos, experimental e integrada tem muito para recomendá-lo, e todos os relatórios preferem esta posição à abordagem de “habilidades básicas” diz, sobre um currículo nacional:

“Longe de desvalorizar o trabalho dos professores de sala de aula.... aumentaria sue prestígio, ao reconhecer plenamente a formidável variedade e os níveis de exigências feitas a eles atualmente, e ao envolvê-lo não apenas no planejamento do trabalho de suas classes, mas também no estabelecimento de uma estrutura curricular para a escola toda” (KRAMER, 1994, 82).

A realidade da situação atualmente é a de um Currículo Nacional dirigido, e o nosso impulso é o de defender aquilo que já fazemos: qualquer coisa nova neste momento de intenções e conteúdos estabelecidos dentro de uma estrutura que todos preendemos e valorizamos, somos na verdade “liberados” para fazer um trabalho melhor como os principais agentes da educação de qualidade nós ainda colocamos o currículo em ação.

Outro ponto que devemos mencionar aqui é o seguinte: embora o Currículo Nacional abranja crianças acima de cinco anos de idade, atualmente existem muitas crianças de quatro anos aceitas em classes em todo o país, para todos os propósitos e intenções, e às quais o Currículo Nacional, consequentemente, se aplica. O documento DES (1981), cujos objetivos foram reiterados no Currículo Nacional, afirma claramente que o propósito das escolas é ajudar a criança a:

  1. Desenvolver uma mente ativa e inquiridora e a capacidade de questionar e argumentar racionalmente e dedicar-se a tarefas;
  2. Adquirir conhecimentos e habilidades relevantes para a vida adulta e o trabalho em um mundo em rápida transformação;
  3. Usar a linguagem e os números de forma efetiva;
  4. Respeitar valores religiosos e morais, e ser tolerante com outras raças, religiões e maneiras de viver;
  5. Compreender o mundo em que vive e a interdependência dos indivíduos grupos e nações;
  6. Apreciar as realizações e aspirações humanas.

Entretanto, conforme Kramer (1994), objetivos como esses podem parecer excessivamente amplos e vagos para serem de grande ajuda prática para os professores. Eles são, mas ai também está a sua força, pois a maneira de atingi-los cabe às escolas e aos professores. Outra sugestão é que esses objetivos devem estar claros em um currículo cujo conteúdo precisa incluir nove áreas “especificas”: matemática, linguagem, ciência, tecnologia, geografia, história, arte e design, educação física, teatro e música. Nessas áreas, o currículo deve ser amplo, equilibrado, relevante, ter continuidade e considerar necessidades diversas.

9. A BRINCADEIRA, OS BRINQUEDOS E A REALIDADE.

No jogo simbólico as crianças constroem uma ponte entre a fantasia e a realidade. Freud observou uma criança que sofria a ansiedade da separação da mãe. A criança brincava com uma colher presa a um barbante. Ela atirava a colher e puxava-a de volta repetidamente. No jogo, a criança foi capaz de controlar ambos os fenômenos; Perda e recuperação. Quando se está aberto para tais simbolismos, pode-se reconhecer e apreciar o brincar das crianças. Elas não podem evitar que os adultos se envolvam em conflitos armados, nem que membros de uma gangue espanquem suas mães. Mas quando brincam, elas podem ter o controle que lhes falta da realidade.

As crianças são capazes de lidar com complexas dificuldades psicológicas através do brincar. Elas procuram integrar experiências de dor, medo e perda. Lutam com conceitos de bom e mal. O triunfo do bem sobre o mal dos heróis protegendo vítimas inocentes é um tema comum na brincadeira das crianças (Bettelheim, 1988).

Crianças que vivem em ambientes perigosos repetem suas experiências de perigo em suas brincadeiras. Por exemplo: no Brasil, crianças que vivem nas favelas onde predomina a luta entre policiais e bandidos têm como tema preferido de suas brincadeiras esses conflitos.

Quando a criança assume o papel de alguém que teme, a personificação é determinada por ansiedade ou frustração. Vários dos exemplos clássicos de Freud seguem esta linha: uma criança brinca de médico depois de ter tomado uma injeção ou de ter sido submetida a uma pequena cirurgia. Ana Freud relata o caso da criança que vence o medo de atravessar o corredor escuro fingindo ser o fantasma que teme encontrar. Escolhendo o papel do médico ou do fantasma, a criança pode passar do papel passivo para o ativo e aplicar a uma outra pessoa, a uma criança ou uma boneca o que foi feito com ela.

O brinquedo aparece como um pedaço de cultura colocado ao alcance da criança. É seu parceiro na brincadeira. A manipulação do brinquedo leva a criança à ação e à representação, a agir e a imaginar.

Assim, o brincar da criança não está somente ancorado no presente, mas também tente resolver problemas do passado, ao mesmo tempo em que se projeta para o futuro. A menina que brinca com bonecas antecipa sua possível maternidade e tenta enfrentar as pressões emocionais do presente. Brincar de boneca permite-lhe representar seus sentimentos ambivalentes, como o amor pela mãe e os ciúmes do irmãozinho que recebe os cuidados maternos. Brincar com bonecas numa infinidade de formas está intimamente ligado à relação da menina com a mãe (Bettelheim, 1988).

Bomtempo (1996), em uma pesquisa com a boneca Ganha-Nenê, verificaram que as crianças pequenas (3 a 5 anos) parecem usar a boneca não só como instrumento de ação, mas também como faz-de-conta e, à medida que aumenta a idade, a boneca passa a fazer parte de um contexto onde o faz-de-conta está presente de forma mais intensa.

Nas crianças de 6 a 8 anos há enriquecimento na representação de papéis que se tornam mais definidos, embora a gravidez e o nascimento ainda façam parte de um mundo mágico. É através de seus brinquedos e brincadeiras que a criança tem oportunidade de desenvolver um canal de comunicação, uma abertura para o diálogo com o mundo dos adultos, onde “ela restabelece seu controle interior, sua auto-estima e desenvolve relações de confiança consigo mesma e com os outros”. No sonho, na fantasia, na brincadeira de faz-de-conta desejos que pareciam irrealizáveis podem ser realizados.

10. O JOGO: PROPRIEDADES FORMATIVAS

Na vida de criança, para além do entretenimento, o jogo ganha espaço através da focalização de suas propriedades formativas, consideradas sob perspectivas educacionais progressistas, que valorizam a participação ativa do educando no seu processo de formação.

Na vida do adulto, o jogo destaca-se no campo do lazer sendo modesta e relativamente recente a sua presença não campo da formação específica. O jogo realiza-se através de uma atuação dos participantes que concretizam as regras possibilitando a imersão na ação lúdica, na brincadeira. Com Kishimoto (1994) entendermos que “a brincadeira é o lúdico em ação”. Enquanto tal tem a propriedade de liberar a espontaneidade dos jogadores, o que significa coloca-los em condição de lidar de maneira peculiar e, portanto, criativa, com as possibilidades definidas pelas regras, chegando eventualmente até a criação de outras regras e ordenações.

Nesta perspectiva, a brincadeira deixa de ser “coisa de criança” e passa a se constituir em “coisa séria”, digna de estar presente entre recursos didáticos capazes de compor uma ação docente comprometida com os alvos do processo de ensino-apredizagem que se pretende atingir.

Dialeticamente, a “seriedade” do jogo utilizado em situações formativas consiste na “brincadeira” que ele implica. Só é possível viver na brincadeira um papel em toda a sua profundidade e complexidade, quando o ator se identifica plenamente com ele, emergindo, portanto, simultaneamente, como seu autor. Nisto é que reside à propriedade liberadora da espontaneidade, condição do ato criador. Entendido o ato criador nesses termos, nada que se confunda com roteiros de atuação previamente definidos, configurado papéis, tem espaço no uso do jogo em situações formativas.

No caso da relação professor/alunos, vivida hoje em grande parte da realidade escolar brasileira sob a forma de uma “relação burocrática” através de contato categórico, o problema que se enfrenta, na capacitação de docentes, é a liberação da espontaneidade e, portanto, da capacidade criadora para um “encontro vigoroso” do educando com o conhecimento, mediado por ações significativas do professor. Isso implica um “exercício de alteridade”, em que o profissional “coloca-se no lugar do outro”. Para este exercício, o jogo de papéis, os jogos de simulação ou de representação, os jogos dramáticos constituem recursos excelentes, se não únicos.

11. BRINQUEDOTECA BRASILEIRA

As brinquedotecas brasileiras começaram a surgir nos anos 80. Como toda idéia nova, apesar do encantamento que desperta, tem que enfrentar dificuldades não somente para conseguir sobreviver economicamente, mas também para se impor como instituição reconhecida e valorizada a nível educacional.

A brinquedoteca brasileira difere das chamadas Toy Libibraries porque não tem como atividade principal o empréstimo de brinquedos. A brinquedoteca é o espaço criado com o objetivo de proporcionar estímulos para que a criança possa brincar livremente.

Por ser um local onde as crianças permanecem por algumas horas, é um espaço onde acontece uma interação educacional. As pessoas que trabalham na brinquedoteca, os brinquedista, têm formação profissional, soa educadores preocupados com a felicidade e com o desenvolvimento emocional, social e intelectual das crianças.

Dentro do contexto social brasileiro, a oportunização do brincar assumiu, através da brinquedoteca, características próprias, voltadas para necessidade de melhor atender as crianças e as famílias brasileiras. Como conseqüência deste fato, seu papel dentro do campo da educação cresceu e hoje podemos afirmar, com segurança, que ela é uma agente de mudança do ponto vista educacional.

A brinquedoteca provoca reflexões e, por despertar pais e educadores para uma nova maneira de considerar a atividade infantil, provoca também em escalas de valores. Pelo simples fato de existir, a brinquedoteca é um testemunho de valorização da atividade lúdica das crianças.

Na elaboração dos objetivos de uma brinquedoteca, são enumeradas como principais finalidades do trabalho nela desenvolvido:

  • Proporcionar um espaço onde a criança possa brincar sossegada, sem cobranças e sem sentir que está atrapalhando ou perdendo tempo;
  • Estimular o desenvolvimento de uma vida interior rica e da capacidade de concentrar a atenção;
  • Estimular a operatividade das crianças;
  • Favorecer o equilíbrio emocional;
  • Dar oportunidade à expansão de potencialidades;
  • Desenvolver a inteligência, criatividade e sociabilidade;
  • Proporcionar acesso a um número maior de brinquedos, de experiências e de descobertas;
  • Dar oportunidade para que aprenda a jogar e a praticar;
  • Incentivar a valorização do brinquedo como atividade geradora de desenvolvimento intelectual, emocional e social;
  • Enriquecer o relacionamento entre as crianças e suas famílias;
  • Valorizar os sentimentos afetivos e cultivar a sensibilidade.

A principal implicação educacional da brinquedoteca é a valorização da atividade lúdica, que tem como conseqüência o respeito às necessidades afetivas da criança. Promovendo o respeito à criança, contribui para diminuir a opressão dos sistemas educacionais extremamente rígidos.

Alem de resgatar o direito à infância, a brinquedoteca tenta salvar a criatividade e a espontaneidade das crianças tão ameaçadas pela tecnologia educacional de massa. Embora com uma proposta realmente alternativa, a brinquedoteca vem exercendo influência dentro dos sistemas sociais nos quais se insere.

Dentro de uma cultura primitiva, os valores tradicionais têm um peso tão grande que a educação segue normas bem definidas, as quais não poderão ser transgredidas sem que um preço alto seja pago. Arrancar uma pessoa do contexto de uma forte tradição é muito perigoso, é como arrancar uma árvore com raízes fortes; é preciso muito cuidado e conhecimento a respeito, para transplantá-la, caso contrário ela morrerá.

O processo criativo é uma tentativa de encontrar um sentido maior. Ele pode nascer de uma situação desafiadora ou de uma inspiração, mas é, certamente, um fenômeno de sensibilidade, mas embora havendo motivação para a criação de uma obra de arte, uma preparação é indispensável para sua concretização.

12. BRINQUEDO E BRINCADEIRA

Para Oliveira (1990) o brinquedo entendido com objeto, suporte da brincadeira, supõe relação íntima com 1’’a criança, seu nível de desenvolvimento e indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organize sua utilização. Uma boneca permite à criança desde a manipulação até brincadeiras como “mamãe e filhinha”. O brinquedo estimula a representação, a expressão de imagens que evocam aspectos da realidade. Ao contrário, jogos, como xadrez, construção, exigem de modo explicíto ou implícito, o desempenho de habilidades definidas pela estrutura do próprio objeto e suas regras.

O brinquedo representa certas realidades. Uma representação é algo presente no lugar de algo. Representar é responder a alguma coisa e permitir sua evocação, mesmo em sua ausência. O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, na natureza e construções humanas. Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los. Duplicando diversos tipos de realidades, o brinquedo as metamorfoseia e fotografia, não reproduzindo apenas objetos, mas uma totalidade social.

A realidade representada sempre incorpora modificações: tamanho, formas delicadas e simples, estilizadas ou ainda, antropomórficas. Os brinquedos podem incorporar, também, um imaginário preexistente criado pelos desenhos animados, seriados televisivos, mundo da ficção cientifica com motores e robôs, mundo encantado dos contos de fada, estórias de piratas e índios.

Ao representar realidades imaginárias, os brinquedos expressam, preferencialmente, personagens sob forma de bonecos, como manequins articulados ou super-heróis, mistos de homens, animais, máquinas e monstros. O brinquedo propõe um mundo imaginário à criança e representa a visão que o adulto tem da criança. No caso da criança, o imaginário varia conforme a idade: para pré-escolar de 3 anos, está carregado de animismo; de 5 a 6 anos, integra predominantemente elementos da realidade. O adulto introduz nos brinquedos imagens que variam de acordo com a sua cultura.

O brinquedo contém sempre referência ao tempo de infância do adulto com representações veiculadas pela memória e imaginação. O vocábulo “brinquedo” não pode ser reduzido à pluralidade de sentidos do jogo, pois conota criança e tem uma dimensão material, cultural e técnica. Como objeto, é sempre suporte de brincadeira. É estimulante material para fazer fluir o imaginário infantil, tendo relação estreita com o nível de seu desenvolvimento.

Entre as concepções sobre o brincar, destacam-se as de Froebel, o primeiro filósofo a justificar seu uso para educar pré-escolares. Alguns recorrem a pressupostos do autor para justificar a expansão de estabelecimentos infantis, criando formas diversificadas de conceber o lúdico na educação.

Entende também que a criança necessita de orientação para seu desenvolvimento. Os programas froebelianos permitem a inclusão de atividade orientadas e livres por meio do uso de brinquedos e brincadeiras.