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quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Semiótica: uma suave introdução


Semiótica: uma suave introdução

Eufrasio Prates

Was ist das e prak serv?
Origens da Semiótica
A Disputa do Século
Conceitos básicos de uma semiótica pós-estruturalista
Triadomania
O Signo peirceano e as tricotomias
Dez classes trilegais, tchê: as combinações tricotômicas
Manual de Instruções?
Bibliografia


A pretensão de apresentar a Semiótica em poucas linhas pode ter resultado em reprováveis simplificações. Um campo de conhecimento tão amplo e complexo exige certamente um espaço-tempo maior que o presente, motivo pelo qual este alerta introdutório faz-se necessário. Isto posto, nada mais adequado que procurar partir de questões centrais, indispensáveis para delinear um mapa hipertextual que permita uma orientação de novos navegantes pelos mares da assim definida ciência dos signos ou processos de significação.

Was ist das e prak serv?

Segundo Winfried Nöth (1995:19)"a semiótica é a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura". A investigação semiótica abrange virtualmente todas as áreas do conhecimento envolvidas com as linguagens ou sistemas de significação, tais como a lingüística (linguagem verbal), a matemática (linguagem dos números), a biologia (linguagem da vida), o direito (linguagem das leis), as artes (linguagem estética) etc. Para Lúcia Santaella, ela "é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis" (1983:15).

Sua principal utilidade é possibilitar a descrição e análise da dimensão representativa (estruturação sígnica) de objetos, processos ou fenômenos em categorias ou classes organizadas. Como ela faz isso? De formas tão diversas que, neste momento, vale a pena um rápido passeio pelas ...


Origens da Semiótica

Muito antes que o termo "semiótica" fosse utilizado, já encontramos investigações a respeito dos signos. Tais origens se confundem com as da própria filosofia: Platão já se preocupou em definir o signo em seus diálogos sobre a linguagem. No séc. XVII, John Locke "postulou uma ‘doutrina dos signos’ com o nome de Semeiotiké" e, em 1764, Johann H. Lambert escreveu "um tratado específico intitulado Semiotik" (Nöth, 1995:20). O termo deriva etimologicamente do grego semeîon (signo) e sema (sinal), tendo originado diversos termos tais como semeiotica, semeiologia, sematologia, semologia etc. No entanto, só em 1964 é que Thomas Sebeok publicou uma coletânea chamada Approaches to semiotics, dando à palavra a forma plural que, no inglês, caracteriza a denominação de uma ciência.

Tal preocupação etimológica visa, além de elucidar o processo diacrônico sofrido pelo termo, abrir espaço para discutir duas grandes correntes do Século XX no campo do estudo dos signos: a semiologia e a semiótica. Embora ao final dos anos 60 tenha sido adotada a palavra "semiótica como termo geral do território de investigações nas tradições da semiologia e da semiótica geral" (Nöth, 1995:26), ainda hoje encontramos inclinações determinadas pelo que podemos chamar de ...


A Disputa do Século

Em paralelo com o desenvolvimento da "corrente semiótica" – inspirada na obra de Charles Sanders Peirce (1839-1914) – nasce no esteio do Curso de Lingüística Geral (1916) de Ferdinand de Saussure a semiologia como ciência geral dos signos. Para ser mais preciso, surgirão realmente duas correntes de estudos semióticos cuja preocupação com o signo é inferior à dos textos propriamente ditos e das estruturas menores dos signos verbais (semas, sememas, lexemas etc.): são elas a Semiótica Narrativa do Discurso (francesa) e a Semiótica da Cultura (russa). O que essas linhagens apresentam em comum são o enraizamento lingüístico e o caráter diádico de suas categorizações e classificações.

A semiótica peirceana apóia-se, como o semeîon platônico e o aristotélico, num esquema triádico, ao passo que a semiologia pós-saussureana vê o signo de forma dual. A posição da ciência do signo no conjunto com as demais ciências é outra divergência entre as duas correntes: a semiótica surge como uma "filosofia científica da linguagem" (Santaella, idem, 28) enquanto a semiologia é proposta inicialmente por Saussure como um ramo da psicologia social – a englobar a própria lingüística como um de seus ramos (Nöth, 1996:19)–, para a seguir sofrer uma tentativa de inversão quando Barthes sugere que a semiologia é que deveria ser um ramo da lingüística (Barthes, 1988:13).

Semioticistas e semiologistas entabulam uma disputa que leva cada lado a criar suas próprias definições para os termos semiótica e semiologia. Para os primeiros – majoritariamente de origem anglo-saxônica – a semiologia é tida como a ciência dos signos especificamente criados pelos homens, menos abrangente, portanto, que a semiótica. Para os semiologistas – geralmente oriundos de países românicos – "a semiótica é um sistema de signos com estruturas hierárquicas análogas à linguagem – tal como uma língua, um código de trânsito, arte, música ou literatura – ao passo que semiologia é a teoria geral, a metalíngua (...), que trata dos aspectos semióticos comuns a todos os sistemas semióticos" (Nöth, 1995:25-26).

A importância deste debate situa-se em explicitar ao leitor nossa opção pela semiótica pós-estruturalista, de inspiração peirceana, de Umberto Eco e Thomas Sebeok. As características que melhor diferenciam a corrente peirceana das demais é sua preocupação central com o signo, seu conceito triádico de signo (e não diádico, como as outras), sua fenomenologia supra-lingüística e a dinamicidade radical do processo semiósico.

Falemos, portanto e finalmente, dos ...


Conceitos básicos de uma semiótica pós-estruturalista

Para iniciar uma possível resposta à nossa questão pendente – apenas lembrando: como a semiótica pode ser útil para analisar os signos – impõe-se agora um maior detalhamento dos seus conceitos fundantes na obra de Peirce, suporte básico da semiótica pós-estruturalista.

Para este pensador, um signo é "algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém" (Peirce, 1972:94, grifo nosso). Essa perspectiva triádica se multiplica profusamente na obra peirceana, motivo pelo qual pode ser fruto de uma...


Triadomania

A eleição das "trindades" como suportes classificatórios e categorizadores, é óbvio, antecede em milênios a obra peirceana, bastando lembrar Platão ou o catolicismo. Seja uma obsessão sua ou não (como ele mesmo admite), devemos nos lembrar que toda teoria procura reduzir, em maior ou menor grau, a multiplicidade e complexidade universais em um todo ordenado, que faça sentido. Neste sentido, a filosofia peirceana vai entender a realidade de forma pansemiótica – isto é, tudo como semioticamente analisável – e classificável fenomenologicamente segundo três categorias:

  • primeiridade – categoria do "desprevenido", da primeira impressão ou sentimento (feeling) que recebemos das coisas;
  • secundidade – categoria do relacionamento direto, do embate (struggle) de um fenômeno de primeiridade com outro, englobando a experiência analogística e
  • terceiridade – categoria de inter-relação de triplo termo; interconexão de dois fenômenos em direção a uma síntese, lei, regularidade, convenção, continuidade etc.

As qualidades puras, imediatamente sentidas, são típicas da primeiridade. As relações diádicas, analítico-comparativas, são exemplos de secundidade. As palavras, por se remeterem a algo para alguém, são fenômenos de terceiridade. Para que passemos agora da filosofia à semiótica, detalhemos melhor ...


O Signo peirceano e as tricotomias

O signo – que nesse universo vai do desenho infantil até o mais rigoroso tratado de lógica, incluindo o homem que os produz como um signo também – é concebido como uma tríade formada pelo representamen – aquilo que funciona como signo para quem o percebe –, pelo objeto – aquilo que é referido pelo signo – e pelo interpretante – o efeito do signo naquele (ou naquilo, podendo-se aí incluir os seres ou dispositivos comunicativos inumanos como os computadores) que o interpreta. Vale lembrar com Merrell (1998:49) que não devemos pressupor que o signo e seu objeto "são sempre entidades concretas - espaço-temporais - ou até objetos físicos. Peirce sempre cuidava para evitar esse erro". Em muitos casos podemos experimentar a concretude de signos, objetos e representamina embora em outros eles careçam de qualquer materialidade. Exemplo disso pode ser o signo "Pégasus", escrito nessa página. Embora ele esteja materialmente representado aqui, dele derivará na mente do leitor (com certeza quase absoluta) um signo mental de "cavalo alado" cujas partes e objeto referido carecem de concretude. Ainda assim, é inegável que no exemplo dado algo representou alguma coisa para alguém, o que atende plenamente à definição de signo. Passemos então a uma melhor definição das partes que o compõem:

O representamen é o sustentáculo de um signo ou aquilo que funciona como signo, remetendo a algo para um interpretante. É através dele que o signo se remete por alguma causa (seja a semelhança, indicação ou convenção) a um objeto.

Este objeto exterior ao signo, chamado de objeto dinâmico, é "espelhado" no interior do signo, "imagem" esta que se denomina objeto imediato.

Se encontramos duas facetas para o objeto (o objeto dinâmico e o imediato), para o interpretante (que muita gente confunde com um indivíduo, quando na verdade trata-se mais do resultado interpretativo em si mesmo) vamos encontrar três. A capacidade de um signo produzir algo numa mente qualquer, isto é, seu total potencial sígnico, é o interpretante imediato. Para que se dê um processo de semiose é necessário que esse potencial se realize, sempre parcial e singularmente, na mente de alguém ou de um dispositivo interpretativo, ou seja que se realize um interpretante dinâmico. Quando esse interpretante dinâmico atinge a terceiridade, isto é, quando engendra uma interpretação simbólica, caracteriza-se um novo signo "de caráter lógico [...] que Peirce chama de interpretante em si" (Santaella, 1983:82). Embora a composição de um signo não seja linearizável, propomos o esquema abaixo para facilitar a sua compreensão:

REPRESENTAMEN

suporte ou fundamento (material ou mental) do signo

OBJETO IMEDIATO

objeto dentro do signo ("especular")

OBJETO DINÂMICO

objeto fora do signo (referido)

INTERPRETANTE IMEDIATO

potencial de interpretações

INTERPRETANTE DINÂMICO

singularização do interpretante

INTERPRETANTE EM SI

novo signo (representamen) na mente

O processo de apreensão de um signo é chamado de semiose. Ela envolve um movimento espiralado, na medida em que toda apreensão sígnica pode tornar-se o reinício de uma nova semiose.

Para melhor compreender os tipos de signo segundo suas características referenciais e fenomenológicas, Peirce desenvolveu classes ou categorias, organizadas em tricotomias (taxonomias tríadicas).

A primeira tricotomia organiza os signos segundo as características do próprio signo, isto é, do representamen. O representamen foi dividido nas categorias de quali-signo, sin-signo e legi-signo. O quali-signo é uma qualidade sígnica, imediata, tal como a impressão causada por uma cor. É, na verdade, um pré-signo ou uma ante-materialidade sígnica de um signo. Tal qualidade apresentada num concreto qualquer, isto é singularizada ou individualizada, é já um sin-signo. Um sin-signo, por sua vez, pode gerar uma idéia universalizada – uma convenção substitutiva do conjunto que a singularidade representa – sendo assim um legi-signo.

Da relação entre o representamen e o objeto advém a segunda e mais importante tricotomia, no entender de Peirce: ícone, índice e símbolo. O ícone, de forma semelhante ao quali-signo, representa apenas uma parte da semiose na qual o representamen evidencia um ou mais aspectos qualitativos do objeto. Os retratos ilustram bem essa categoria. A iconicidade de um signo funda-se no que Nöth chama de "homologias estruturais", isto é, na semelhança entre representamen e objeto.

Se há uma relação direta entre estas duas partes do signo sem no entanto tratar-se de similaridade, falamos já da categoria dos índices. Uma nuvem escura pode significar chuva, embora sejam muito diferentes uma da outra. As relações orgânicas de causalidade são típicas dessa categoria, onde o representamen indica (para) o objeto. Outra característica dos índices é sua singularidade, o que na linguagem seria exemplificado pelos nomes próprios.

O nome de um objeto qualquer – "cadeira" por exemplo – refere-se não só a uma cadeira em particular ("esta cadeira", por exemplo, seria um índice) mas a uma idéia geral de "objeto composto de um assento sustentado a uma determinada distância do solo através de um ou mais pés e um encosto fixado angularmente em relação ao assento". Por este motivo, transcende a secundidade indiciática em direção à categoria simbólica. Os símbolos são arbitrários, no sentido de que são socialmente convencionados e mutáveis (cadeira no Brasil, chair na Inglaterra e chaise na França), mas não absolutamente acidentais ou arbitrárias – haja vista as homologias já descobertas entre as mais diversas línguas do planeta e a impossibilidade de alteração individual desses signos. Os tipos, generalidades e idéias são signos simbólicos pois não se restringem à singularidade. Ao contrário, abrem-se à multiplicidade e universalidade por seu alto grau de abstração. É claro que cada repetição da palavra cadeira neste texto apresenta-se singularmente. No entanto, Peirce denomina cada singularização de um símbolo como réplica do tipo original.

Analisemos, a título de exemplo dessas duas primeiras tricotomias, algumas características do signo abaixo:

cruz.jpg (14020 bytes)

Quanto à primeira tricotomia: este, como todo e qualquer outro signo, é qualissígnico na medida em que apresenta cores e formas a serem percebidas como algo (representamen). A imagem produzida pelos pixels de luz de seu monitor (ou da tinta no papel, no caso de versão impressa) é sinsígnica enquanto exemplar único (no seu computador ou papel). Se esse representamen for capaz de significar não apenas uma imagem específica de cruzes em cemitérios, mas todas as cruzes de qualquer cemitério, torna-se então um legi-signo. Como se pode ver, um signo pode acumular categorias dependendo da forma como ocorre o processo de semiose.

Quanto à segunda: essa foto representa uma cruz num cemitério por semelhança. A palavra "cruz", por exemplo, não se assemelha em nada ao objeto representado na foto. Já a foto, certamente, é um ícone por essa relação de similaridade entre representamen e objeto. Por outro lado, essa é uma imagem escaneada de uma foto que foi revelada de um filme batido no cemitério de Carinhanha-BA (uma das cidades mais importantes da região de Carinhanha-BA). Ainda que de forma mediata, há uma relação física (indicial) entre o objeto e o representamen (já que uma série de fótons foram refletidos pelo objeto representado no filme (negativo), que sofreu o processo físico de revelação e ampliação (positivo) que, por sua vez, foi escaneado também por meios físicos até se tornar essa imagem que você vê). A imagem, assim, indica a existência material de um cemitério em Carinhanha-BA (como você já deve estar desconfiando, eu nasci em Carinhanha). Além de índice, essa imagem da cruz pode significar uma característica da religião do morto: trata-se de um suposto cristão. A cruz da foto pode representar para alguém a própria doutrina cristã, tornando-se nesse caso específico um símbolo, isto é, uma representação abstrata, convencional, de algo. De novo encontramos a riqueza combinatória e interpretativa das categorias peirceanas.

A mais complexa e racional categorização dos signos – a terceira tricotomia – refere-se à relação entre representamen e interpretante, donde emergem o rema, o dicente e o argumento. A categoria remática engloba o que na lógica formal se chama de termo, isto é, um enunciado impassível de averiguação de verdade, descritivo como um nome ou palavra. A palavra "cruz", isolada e fora de qualquer contexto, é certamente um rema.

Caso faça parte de uma assertiva qualquer, classifica-se como dicente (ou dicissigno). Ao contrário do rema, o dicente parece pedir confirmação de veracidade: "essa cruz representada na foto está colocada sobre o túmulo do meu avô", "meu carro é azul-vandyke" ou "o nosso salário está alto demais". O dicente, enquanto secundidade e dialogicidade, é altamente informativo – ainda que exija averiguação, na medida em que não fornece os motivos pelos quais afirma algo.

Se fornecesse, já não seria dicente, mas argumento. Enunciados encadeados de forma a evidenciar a condição de verdade de uma conclusão, ou seja, discursos de caráter persuasivo ou silogismos formais, são exemplos de argumentos. Por exemplo: "a cruz da foto acima está colocada sobre o túmulo do meu avô porque a probabilidade de haverem escrito o seu nome, Sebastião dos Santos Farias, sobre um túmulo errado é deveras reduzida, especialmente considerando-se que o índice de mortalidade em Carinhanha dificilmente ultrapassa o de um morto por dia (já que a cidade conta com menos de 5000 habitantes) e, além disso, no dia do enterro de meu avô ninguém mais foi enterrado, excluindo-se assim a possibilidade de troca ou engano de túmulo". Esse foi um argumento (dedutivo e, devo confessar, pouco elegante quando comparado aos exemplos de Aristóteles ou Peirce).

Como lógico, Peirce se preocupa em classificar os argumentos e verificar sua condição de verdade. Ao lado das já conhecidas dedução e indução, identifica uma terceira operação lógica criativa (ainda que arriscada) chamada abdução. Se a dedução parte do geral para o particular e a indução percorre o caminho oposto, a abdução – também chamada, algumas vezes, de hipótese – afirma um caso a partir de uma regra e de um resultado. Assim temos:

"Dedução

  • Regra: todos os feijões deste pacote são brancos.
  • Caso: estes feijões são deste pacote.

    \ resultado: estes feijões são brancos.

    Indução

  • Caso: estes feijões são deste pacote.
  • Resultado: estes feijões são brancos.

    \ regra: todos os feijões deste pacote são brancos.

    Hipótese

  • Regra: todos os feijões deste pacote são brancos.
  • Resultado: estes feijões são brancos.

    \ caso: estes feijões são deste pacote." (Peirce, 1972, 149-150)

    Os argumentos dedutivos exigem um alto grau de informação, e portanto de esforço, para chegarem a pouco mais do que tautologias. E mesmo para esse pouco, estão já a fazer uso da indução. O alto grau de risco da indução, por sua vez, pede ao pesquisador criativo que o leve mais longe, que produza através da abdução, novas possibilidades de conhecimento, especialmente através de um resgate do uso de nossa capacidade intuitiva. Especialmente quando se trata de seu uso nas ciências ditas "humanas". A preocupação obsessiva com o método pode levar, como é bastante comum, a abordagens quantitativistas inadequadas para determinados "objetos" de pesquisa. De nossa parte, alertamos para o fato de que as propostas classificatórias semióticas exigem-nos o cotejo contextual, já que nenhum signo tem existência per si ou a priori, mas sempre relativamente a tal contexto.

    Frente à complexidade de cada uma das tricotomias até aqui estudadas e tendo em vista um processo inverso de remontagem pós-esquartejante, Peirce propõe que do seu entrecruzamento combinatório resultariam não 27 (3 x 3 x 3 tricotomias), nem 45 (as 27 com os argumentos multiplicados por 3), mas 10 classes possíveis de existência de signos (Peirce, 1972:110). Estas combinações excluem, por insuficiência lógica/ontológica, categorias como quali-signos não icônicos, sin-signos simbólicos etc. São elas as ...


    Dez classes trilegais, tchê: as combinações tricotômicas

    Ainda que não tenhamos certeza de que os gaúchos tenham se inspirado em Peirce ao cunhar esta gíria, consideramos trilegais essas classes por permitirem que, ao olharmos para um determinado objeto de investigação, consigamos verificar como ele se compõe e articula. Uma inocente home-page internetiana pode esconder, por trás de fontes iconicamente curvilíneas, uma apologia a símbolos ciber-sensuais subliminares para o olho não conscientemente semiótico. Esse exemplo pode ser aprofundado através do conhecimento e aplicação da classificação combinatória dos três componentes básicos do signo, como segue (Nöth, 1995:93-94):

    1. Quali-signo icônico remático: "é uma qualidade que é um signo". Ex.: sensação do vermelho.
    2. Sin-signo icônico remático: "é um objeto particular e real que, pelas suas próprias qualidade, evoca a idéia de um outro objeto". Ex.: diagrama dos circuitos numa máquina particular.
    3. Sin-signo indicial remático: "dirige a atenção a um objeto determinado pela sua própria presença" Ex.: grito de dor.
    4. Sin-signo indicial dicente: além de ser diretamente afetado por seu objeto, "é capaz de dar informações sobre esse objeto". Ex.: cata-vento.
    5. Legi-signo icônico remático: "ícone interpretado como lei". Ex.: diagrama num manual.
    6. Legi-signo indicial remático: "lei geral ‘que requer que cada um de seus casos seja realmente afetado por seu objeto, de tal modo que simplesmente atraia a atenção para esse objeto’"(Peirce). Ex.: pronome demonstrativo.
    7. Legi-signo indicial dicente: "lei geral afetada por um objeto real, de tal modo que forneça informação definida a respeito desse objeto". Ex.: placa de trânsito.
    8. Legi-signo simbólico remático: "signo convencional que ainda não tem o caráter de uma proposição". Ex.: dicionário.
    9. Legi-signo simbólico dicente: "combina símbolos remáticos em uma proposição, sendo, portanto, qualquer proposição completa". Ex.: qualquer proposição completa.
    10. Legi-signo simbólico argumento: "signo do discurso racional". Ex.: silogismo.
    quali-signo ícone rema
    sin-signo índice dicente
    legi-signo símbolo argumento

    É importante contextualizar todas essas classes e categorias no universo lógico peirceano, diverso do formalista aristotélico e do positivista-mecanicista. Ainda que para todos a lógica seja "a ciência formal das condições de verdade das representações", em Peirce enfatiza-se a limitação científica do tratamento do que deve ser e não do que é. Por este motivo, a semiótica não se confunde com uma ontologia, sendo melhor definida como ciência que estuda o real semiótico, isto é, o mundo das representações ou da linguagem. Mas, se como já sugerimos anteriormente, a ciência dos signos é uma ferramenta de grande utilidade, será que ela é disponibilizada com um ...


    Manual de Instruções?

    Por ter nascido num berço pragmaticista, muitos esperam que a semiótica venha com um manual de aplicação – e, de quebra, garantia de um ano após a aquisição – o que de fato não ocorre. As "ferramentas" da ciência dos signos se mostram úteis nos mais diversos campos de investigação justamente por sua abertura e amplitude. Mais do que descrever em quais classes ou categorias se inscrevem os signos, a semiótica permite a compreensão do jogo complexo de relações que se estabelecem numa semiose ou num sistema delas. Ao ordenar esse conjunto de relações, podemos antever o seu significado e aplicabilidade no mundo da(s) linguagem(ns). É nesse processo que os dados da realidade podem ganhar o status de informação, conhecimento e, em alguns casos, sabedoria.

    O máximo que podemos fazer, neste sentido, é sugerir a leitura das análises apresentadas n’O Signo de Três, organizadas por Umberto Eco e Thomas Sebeok, no capítulo IV do Panorama da Semiótica de Winfried Nöth, no Conceito de Texto de Umberto Eco e em minha análise semiótica do filme "Couraçado Potemkin" (www.geocities.com/Eureka/8979/potemkin.htm). Os "surfistas da Internet" que me perdoem, mas daqui por diante abre-se o caminho para, abandonando a prancha até aqui utilizada, o mergulho dos interessados por essa poderosa ciência de compreensão do real semiótico.

    E está, para o que nos propomos, de bom tamanho!


    Bibliografia

    1. BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo, Cultrix, 1988.
    2. ECO, Umberto e SEBEOK, Thomas (org.). O Signo de Três. São Paulo, Perspectiva, 1991.
    3. ECO, Umberto. Conceito de Texto.
    4. MERRELL, Floyd. Introducción a la Semiótica de C. S. Peirce. Maracaibo-Venezuela, Universidad del Zulia, 1998.
    5. NÖTH, Winfried. A Semiótica no Século XX. São Paulo, Annablume, 1996.
    6. NÖTH, Winfried. Panorama da Semiótica: De Platão a Peirce. São Paulo, Annablume, 1995.
    7. PEIRCE, Charles S. Semiótica e Filosofia. São Paulo, Cultrix, 1972.
    8. PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1987.
    9. SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo, Brasiliense, 1983.
    10. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo, Cultrix, 1988.

    Do Autor

    O Prof. Eufrasio Prates é Compositor Musical pela FAAM-SP-Faculdade de Artes Alcântara Machado e Mestre em Comunicação pela UnB, autor do livro "Passeio-relâmpago pelas idéias estéticas ocidentais" e ministra as disciplinas de "Teorias de Comunicação" e "Estética e Indústria Cultural" no IESB-Instituto de Educação Superior de Brasília. É também Diretor-Administrativo da ABSB-Associação Brasileira de Comunicação e Semiótica e Vice-Coordenador do NTC-Brasília-Centro de Estudos e Pesquisas em Novas Tecnologias, Comunicação e Cultura.
    e-mail: eufrasioprates@usa.net



    Trechos deste artigo podem ser citados, desde que mencionada a fonte.


    Fonte: http://www.geocities.com/Eureka/8979/semiotic.htm

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